Trump quer ser mais correcto, mas isso pode ser politicamente impossível
Favorito à nomeação pelo Partido Republicano contratou um famoso lobbyista para o tornar mais "presidenciável". Nova estratégia tem o difícil objectivo de alargar a base de apoio sem afastar os mais fiéis.
O comício de Donald Trump na cidade de Harrisburg, a capital do estado da Pensilvânia, estava a ser igual a muitos outros nas centenas de cidades por onde o polémico candidato do Partido Republicano tem passado. Lá fora, centenas de apoiantes e opositores carregavam a fundo nos insultos até ficarem a milímetros da violência física, e lá dentro, no centro de exposições, as milhares de vozes que pediam a construção de um muro na fronteira com o México eram interrompidas, de tempos a tempos, por alguns manifestantes a quem era rapidamente apontada a direcção da porta de saída, com direito a escolta e tudo.
Mas quem estava a ouvir com atenção cada palavra de Donald Trump não deixou de reparar numa viragem brusca no discurso do homem que se apresenta como o maior candidato anti-sistema de todos os tempos nos Estados Unidos – pela primeira vez, o magnata admitiu, sem rodeios, que alguma coisa vai ter de mudar nas palavras e na pose, se o seu objectivo for mesmo chegar à Casa Branca.
"A partir de uma certa altura, vou começar a agir de forma tão presidenciável que vocês vão ficar entediados. E depois, quando voltar cá, vou ser tão presidenciável que em vez de dez mil pessoas vão estar cá apenas 150", disse Trump.
Ao seu estilo, dando a entender que essa ideia o repugna, o candidato começou a preparar os seus apoiantes mais fervorosos para uma nova realidade que ele próprio procurou ao contratar Paul Manafort, um dos mestres na arte da transformação da imagem dos políticos nos últimos 40 anos.
Licenciado em Direito, Manafort começou a carreira de lobbyista em 1976 ajudando Gerald Ford a segurar os seus delegados na convenção do Partido Republicano contra Ronald Reagan, e desde então aconselhou uma legião de líderes um pouco por todo o mundo – o próprio Reagan, em 1980; George Bush pai e George Bush filho; o fundador da UNITA, Jonas Savimbi; o antigo ditador das Filipinas, Ferdinand Marcos; o Governo da Arábia Saudita; e, mais recentemente, o ex-Presidente da Ucrânia Viktor Ianukovich, deposto em Fevereiro de 2014.
Manafort foi chamado por Trump há um mês para pôr ordem numa campanha que sempre teve muito músculo mas que precisava de um pouco mais de cérebro – enquanto o magnata do imobiliário surgia como o grande favorito nos jornais e nas televisões após estrondosas vitórias em vários estados, o ultraconservador Ted Cruz ia reduzindo essa diferença sem fazer muito barulho, explorando ao máximo o complexo e confuso regulamento em que o Partido Republicano se baseia para escolher o seu candidato à Casa Branca.
Trump fez nome em Nova Iorque, mas Cruz preparou-se para vencer em qualquer lugar
A mudança de tom já se notara no discurso de vitória após as primárias em Nova Iorque, na terça-feira passada. Quando agradeceu aos republicanos nova-iorquinos por lhe terem dado 60% dos votos e 89 dos 95 delegados em jogo, Trump não fez comentários sobre o "mentiroso Cruz" nem sobre o "sobrestimado e perdedor Kasich", preferindo os mais presidenciáveis termos "senador Cruz" e "governador Kasich".
Esta terça-feira, com primárias em cinco estados (Connecticut, Delaware, Maryland, Pensilvânia e Rhode Island), o magnata terá mais uma oportunidade para mostrar se há mesmo um novo Donald Trump ou se o mundo já viu tudo o que tinha para ver.
"Uma imagem feita à medida"
Depois da vitória esmagadora em Nova Iorque, Trump deixou os eleitores espreitarem pelo buraco da fechadura da estratégia de Paul Manafort, e dois dias depois, na quinta-feira da semana passada, a porta dessa estratégia ficou escancarada.
Nesse dia, enquanto o candidato preparava os seus apoiantes, no comício na Pensilvânia, para o momento em que teria de ser mais presidenciável, o seu novo conselheiro tentava convencer a liderança do Partido Republicano, na Florida, que há mesmo vários Donald Trump, um para cada situação – uma conversa mantida à porta fechada, que foi gravada e depois divulgada pela Associated Press, e que desfaz a ideia de um candidato anti-sistema, que foge do politicamente correcto como os demónios do cinema fogem da água benta e que se candidatou à Presidência por estar farto dos políticos que mudam de discurso ao sabor das circunstâncias.
As palavras de conforto que Manafort levou aos líderes do Partido Republicano não pararam de passar nas televisões desde então: "Ele compreende. O papel que está a desempenhar está a evoluir para o papel pelo qual vocês têm esperado, mas ele ainda não estava preparado, porque antes disso tinha de terminar a primeira fase."
Receosos de que Trump acabe mesmo por ser o nomeado do partido e que depois seja derrotado por Hillary Clinton ou Bernie Sanders nas eleições gerais (como indicam as sondagens), os líderes do Partido Republicano precisam de um candidato que, no mínimo, seja tolerado pelo eleitorado conservador mais tradicional – já que a conquista do centro é apenas uma miragem, quando a alternativa mais realista a Donald Trump é o ultraconservador Ted Cruz.
Na reunião à porta fechada, na Florida, Paul Manafort, o conselheiro de Trump, insistiu: "Quando ele sobe ao palco, quando fala sobre as propostas que está sempre a repetir na campanha, está na realidade a projectar uma imagem feita à medida. Vão começar a ver uma personalidade mais profunda, a verdadeira pessoa."
Apesar de liderar a corrida no Partido Republicano, o magnata do imobiliário vai começar a caminhar sobre um arame muito fino – por um lado, não pode desiludir quem o trouxe até aqui precisamente porque prometia correr com os políticos tradicionais ao pontapé; por outro lado, uma pose e um discurso mais politicamente correctos poderão ser insuficientes para apagar da memória colectiva as promessas de deportação de milhões de pessoas para os seus países de origem, juntamente com os filhos já nascidos em território norte-americano, ou propostas como a proibição de entrada de todos os muçulmanos no país.
Cruz e Kasich unem-se contra Trump
Os adversários de Trump na corrida pela nomeação aproveitaram o facto de a campanha do magnata estar em obras para tentarem abalar os seus alicerces. Para além de quererem impedir que Trump conquiste durante as primárias os 1237 delegados necessários para a nomeação, Ted Cruz e John Kasich também deixaram claro que o conselheiro Manafort vai ter muito mais trabalho do que pensava para pôr o magnata na ordem.
Na segunda-feira à noite, Kasich conseguiu finalmente convencer Cruz a unirem esforços para dificultarem a nomeação de Trump – o objectivo, assumido em comunicado pelo governador do Ohio, é que os delegados do Partido Republicano tenham de votar mais do que uma vez durante a convenção, em Julho, até que um dos candidatos recolha os 1237 votos necessários para ser nomeado.
A estratégia é simples: Kasich não vai fazer campanha contra Cruz nas primárias no Indiana, a 3 de Maio, e Cruz devolve a simpatia nas primárias no Oregon (17 de Maio) e Novo México (7 de Junho). No cenário ideal para os dois candidatos, se a maioria dos apoiantes de Kasich votar em Cruz no Indiana, Trump pode acabar em 2.º lugar nesse estado e ver ainda mais dificultado o caminho para uma vitória antes da convenção – um cenário que beneficia tanto Cruz como Kasich, porque numa convenção aberta a maioria dos delegados fica livre para votar em qualquer candidato a partir da segunda votação.
Para além de marcar o início de uma estratégia comum para travar a nomeação de Trump, o anúncio do acordo entre Cruz e Kasich serviu também para recordar que o magnata pode ter o mundo inteiro a tentar puxá-lo para o centro, mas a sua atracção pelo caminho que mais lhe apetece seguir a cada momento é mais forte do que um batalhão de conselheiros e lobbyistas.
Poucos dias depois de se ter referido ao "senador Cruz" e ao "governador Kasich" no discurso de vitória em Nova Iorque, os seus dedos não aguentaram o acordo entre os dois adversários e foram a correr para o Twitter: "Uau, acabou de ser anunciado que o Ted mentiroso e o Kasich vão fazer um conluio para me impedirem de ser nomeado pelo Partido Republicano. DESESPERO!"