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Trump fez nome em Nova Iorque, mas Cruz preparou-se para vencer em qualquer lugar

O magnata lidera as sondagens nas primárias em Nova Iorque, mas os pormenores da campanha estão a passar-lhe ao lado. Se a corrida no Partido Republicano acabar numa convenção aberta, o meticuloso Ted Cruz pode roubar-lhe o sonho da Casa Branca.

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Donald Trump pode ser a lebre da corrida com a tartaruga EDUARDO MUNOZ/REUTERS
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Ted Cruz é o candidato que não tem desviado os olhos da bola CARLO ALLEGRI/REUTERS

Se alguém pedir a Donald Trump que compare a campanha do seu adversário Ted Cruz com um programa de televisão, muito provavelmente a reposta será O Aprendiz ou O Elo Mais Fraco. Mas, por baixo desta sua aparente corrida imparável para a vitória no Partido Republicano, o magnata do imobiliário vê-se cada vez mais empurrado para o papel daquela lebre que acaba por ser ultrapassada por uma tartaruga – dito de outra forma, chegou a altura de fazer uma declaração: sr. Trump, apesar do seu favoritismo, apresentamos-lhe a implacável realidade das complicadas regras que regem as primárias para a escolha dos candidatos à Casa Branca.

Hoje é o dia em que os eleitores de Nova Iorque que estão registados ou no Partido Republicano ou no Partido Democrata escolhem os nomes que querem ver na corrida à Casa Branca, e as sondagens há muito que encontraram os favoritos: Donald Trump, o homem que gravou o seu nome no imaginário da cidade com um arranha-céus na mítica 5.ª Avenida, tem uma média de 31,3 pontos de vantagem sobre o governador do Ohio, John Kasich, e de 36,1 pontos sobre o senador do Texas, Ted Cruz; do outro lado da corrida, no Partido Democrata, a ex-secretária de Estado, que foi senadora durante oito anos pelo estado de Nova Iorque, Hillary Clinton, segue à frente do seu único adversário, Bernie Sanders, com uma média de 13,8 pontos.

No caso do Partido Republicano, a vantagem de Donald Trump não é apenas huge, para usarmos uma palavra muito cara ao candidato – de acordo com as sondagens, o magnata pode mesmo vencer em Nova Iorque com mais de 50% dos votos, o que, no caso particular desde estado, equivale a conquistar todos os 95 delegados em jogo.

Mas é aqui que as letras pequenas do contrato que os candidatos assinaram com o Partido Republicano no ano passado começam a complicar a vida a Trump.

Para se ter uma ideia da complexidade das regras que levam à escolha de um candidato à Casa Branca, não basta que Trump tenha mais do que 50% na soma dos votos de todos os eleitores do Partido Republicano em Nova Iorque para ficar com os 95 delegados – se apenas conseguir 50% nessa parcela da votação, terá direito a 14 delegados.

Para que o partido lhe entregue os 95, Trump tem também de ultrapassar os 50% em cada um dos 27 distritos – em cada um deles há três delegados para distribuir, e se nenhum dos candidatos tiver mais do que 50% dois vão para o mais votado e um vai para o segundo mais votado. Estamos confusos? Ainda é possível ficarmos mais: para que possam levar para casa um único delegado, os candidatos têm de receber mais de 20% dos votos, uma regra importante principalmente para John Kasich e Ted Cruz, que nas sondagens têm rondado essa marca com alguma dificuldade.  

O caso de Nova Iorque é um bom exemplo da autêntica salada de frutas que é o processo de primárias e caucus (assembleias) nos Estados Unidos, e que tem espantado até os próprios eleitores norte-americanos.

Habituados a chegarem à convenção dos seus partidos com um nome claramente destacado dos restantes, com o número mágico de delegados já conquistado (1237 no Partido Republicano e 2383 no Partido Democrata), os eleitores vêem-se este ano perante a forte possibilidade de as coisas serem muito mais complicadas do que isso no Partido Republicano – o que pode beneficiar o ultraconservador Ted Cruz, um homem que há poucos meses era odiado pela ala mais tradicional do seu partido, mas que agora se vê no papel do herói improvável que pode fechar a porta da nomeação na cara do populista (e ainda mais imprevisível) Donald Trump.

Olhando para as tabelas das vitórias em primárias e caucus até agora, o magnata do imobiliário lidera com uma vantagem confortável (Trump tem 742 delegados e Ted Cruz tem 529), mas nem uma vitória esmagadora em Nova Iorque, esta terça-feira, vai fazer com ele que possa dormir mais descansado.

Como o próprio candidato foi forçado a perceber nas últimas semanas, a palavra “delegados” significa pouco se não tiver pessoas de carne e osso lá dentro – são elas, e não os números que nos aparecem nas tabelas após cada votação, que vão votar na convenção do partido, entre 18 e 21 de Julho, na cidade de Cleveland, no Ohio.

Isto porque os votos nas primárias e a escolha das pessoas que vão preencher os lugares de delegados são dois processos distintos – como se as regras das primárias não fossem já suficientemente complicadas e diferentes de estado para estado.

E é aqui que Ted Cruz parece estar em boa posição para derrotar Donald Trump na luta pela nomeação, mesmo que o senador do Texas chegue ao fim das primárias com menos delegados do que o magnata – para que a convenção do Partido Republicano não se limite a ser uma cerimónia de coroação de Trump, tudo o que as forças anti-Trump têm de fazer é garantir que o magnata não alcance a marca dos 1237 delegados até ao fim das primárias, o que é um cenário cada vez mais provável.

Se isso acontecer – se Donald Trump terminar com mais delegados mas com menos do que os 1237 necessários para garantir a nomeação –, a convenção do Partido Republicano poderá transformar-se num longo episódio da série House of Cards, com metade dos delegados a tentar convencer a outra metade a mudar de opinião até que um dos candidatos recolha pelo menos 1237 votos.

Já a pensar numa resposta a esta possibilidade, Donald Trump começou a desancar a liderança do Partido Republicano e as suas regras nos últimos dias, descrevendo-as, num artigo publicado no Wall Street Journal, como “um sistema que serve há décadas os interesses dos partidos políticos às custas dos cidadãos”.

Mas a verdade é que as regras do jogo já estavam definidas à partida, e muitos analistas têm preferido salientar a maior preparação e eficácia da campanha de Ted Cruz do que denunciar o processo.

Um dos melhores exemplos da vantagem que o senador do Texas tem mostrado no terreno é o resultado das primárias no estado da Carolina do Sul, em Fevereiro, onde Donald Trump venceu por uma margem considerável e viu serem-lhe atribuídos os 50 delegados que estavam em jogo. Mas essa foi a apenas a primeira etapa.

Depois das câmaras das televisões terem avançado para outro estado, para acompanharem outra votação, os responsáveis do Partido Republicano na Carolina do Sul ficaram para trás, longe dos holofotes, com a tarefa de preencher esses 50 lugares com pessoas.

Primeiro, há que eleger delegados em 46 convenções, uma em cada condado do estado; depois, realizam-se outras sete convenções mais alargadas, uma em cada distrito; e finalmente, no dia 7 de Maio, o processo na Carolina do Sul chega ao fim com uma grande convenção estadual. De cada uma das sete convenções distritais saem três delegados para a convenção nacional (num total de 21), e da convenção estadual vão sair os restantes 29.

Na prática, o que este processo significa é que não basta a um candidato receber um número de delegados; depois das votações, é preciso continuar no terreno, para tentar fazer eleger pessoas que os apoiem e que sejam o mais imunes possível a mudanças de opinião na convenção nacional.

A campanha de Ted Cruz já começou a mostrar do que é capaz no passado fim-de-semana: dos seis delegados eleitos em duas convenções distritais na Carolina do Sul, três são apoiantes confessos de Cruz, dois não revelaram as suas preferências e apenas um é um declarado apoiante de Donald Trump.

Todos aqueles seis delegados são obrigados, pelas regras do partido, a votarem em Donald Trump na primeira votação na convenção nacional, em Julho, porque foi o magnata quem venceu as primárias na Carolina do Sul. Mas o truque que Ted Cruz tem na manga é que as regras do partido também dizem outra coisa – se nenhum candidato tiver pelo menos 1237 votos na primeira votação, a esmagadora maioria dos delegados fica livre da obrigação de apoiar o candidato que venceu no seu estado, e é nesse momento que a série House of Cards ganha vida.

A complexidade das regras só deixa uma alternativa a Donald Trump para garantir a nomeação sem ser empurrado para uma dura batalha: conquistar pelo menos 1237 delegados até ao final das primárias.

Se isso não acontecer, o magnata poderá ser confrontado com a revolta daquilo a que o estratega do Partido Republicano John Yob chama “os delegados SINO” (Supporters in Name Only, ou apoiantes apenas de nome). Livres da obrigação de votarem em Donald Trump numa segunda volta, muitos delegados poderão deixar cair a máscara e revelar a sua verdadeira identidade: a de apoiantes de Ted Cruz, o candidato que não tem desviado os olhos da bola no misterioso e por vezes incompreensível jogo que é a escolha dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos da América.

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