A paisagem na fotografia, mais do que mera contemplação

A investigadora Maria do Carmo Serén foi à procura da ideia de paisagem no acervo da Colecção Nacional de Fotografia para a exposição que o CPF inaugura esta sexta-feira, na antiga Cadeia da Relação, no Porto

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Adolphe Braun: ICE CAVERN [1850-1860] CPF/Colecção Nacional de Fotografia
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Domingos Alvão: SEM TÍTULO [1900 -1920] CPF/Colecção Nacional de Fotografia
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Eugène Atget: PARC DE SCEAUX, PARIS [1925-04] CPF/Colecção Nacional de Fotografia
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Bernard Plossu: PORTO [1998] CPF/Colecção Nacional de Fotografia
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Paulo Catrica: IV - DA RUA INFANTE D.HENRIQUE; ERMESINDE, 1 DE MAIO DE 1998 CPF/Colecção Nacional de Fotografia
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Thomas Annan: CLOSES Nº 136, SALTMARKET [1868 -1887] CPF/Colecção Nacional de Fotografia

A primeira fotografia que Niépce conseguiu há 190 anos foi a de uma paisagem que estava ali à mão, desde a sua janela, em Le Gras, na Borgonha. Desde esse momento fundador foi profícua a relação dos fotógrafos com aquilo que se entende como paisagem, desde logo porque a própria ideia dela, da paisagem, mudou, e muito, nestes quase dois séculos em que uma câmara passou a intermediar o nosso olhar sobre o mundo. A investigadora Maria do Carmo Serén, escolheu, na Colecção Nacional de Fotografia, 35 exemplares que nos ajudam a entender essa evolução. Exposição para ver a partir desta sexta-feira no Centro Português de fotografia.

“Podia ter começado pelo retrato” esta vontade de “começar a olhar tematicamente” para a colecção Nacional de Fotografia. Podia, pelo óbvio motivo de que, dos seus primeiros dias, à era das selfies e do fotografe-você-mesmo, o retrato teve sempre um papel central, mas a investigadora Maria do Carmo Serén vê a paisagem como um tema que “está na moda” também. E mergulhou nas cerca de cinco mil fotografias da colecção à procura de uma “ideia” da paisagem: essa que, como ela recorda, passou a ser objectificada, de forma autónoma, no Renascimento, período em que deixa de ser apenas contexto, para se tornar texto, em que abandona o fundo da tela e passa a um primeiro plano. Contemplativo, ainda, por sinal.

Essa evolução do lugar da paisagem na pintura acaba por contaminar a Fotografia. Mas se nesta, a partir de meados do século XIX, a paisagem também foi objectificada com intuitos contemplativos, o espaço que foi sendo concedido ao nosso espaço circundante procurou também abrir-se a outras possibilidades de leitura, decorrentes da compreensão dos próprios limites do olho fotográfico. Ainda que movimentos como o pictorialismo tenham tentado dar a volta a essa “barreira”, o olho enquadrado, incapaz de sintetizar o que tem pela frente, como faria um pintor, é obrigado a escolher “uma fracção”, explica a organizadora desta exposição ao PÚBLICO. E essa escolha tem tanto de técnico como de político, ora documentando, ora expressando uma relação com o lugar, uma denúncia, um apelo à mudança, como se percebe nesta mostra.  

“Os criticismos pós-modernos acusam olhares diversos. A ideia fundamental é alterar o modo de olhar uma imagem, não fazer a crítica da paisagem fotográfica, mas a crítica da relação cultural com o ambiente. O cognitivismo suplanta a emoção, a imagem não se quer contemplação, mas reflexão sobre a cultura e sociedade e as suas repressões, (Paulo Catrica, insistindo nas periferias desorganizadas), o olhar sem nostalgia, de Gabriele Basilico, ou o 'não-lugar' de Vari Caramés. Representando o movimento dos New Topographics, atentos ao modo de transformação e representação da Natureza pelo homem, a paisagem de Mark Klett ou de José Afonso Furtado”, assinala Maria do Carmo Serén no texto de sala para a A Ideia de Paisagem na Fotografia.

A exposição começa com Ice Cavern, uma albumina de Adolphe Braun de 1860, explora a relação do fotógrafo com a natureza, e a procura do seu lado surpreendente, e avança cidade dentro, como a própria Fotografia, mostrando como, a partir das ruas, ela começa “a transformar-se em mensagem e na procura do ‘momento decisivo’ de Cartier Bresson, aqui representado pela clássica  Derrière la Gare Saint-Lazare”. Aos saltos sobre a história, como o homem nessa fotografia, A Ideia de Paisagem segue, até ao século XXI, um conceito em plena transformação, com perspectivas diversas sintetizáveis, muitas vezes, numa mesma obra. Como se o fotógrafo fosse, ele próprio, um sujeito sensível às suas múltiplas exposições. 

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