Delgado, o lado menos conhecido de um herói
O mais importante e urgente é levar agora ao conhecimento do público e dos estudiosos da literatura o romance inédito do General Sem Medo.
Agora que o general Humberto Delgado, que fundou a TAP, vai ter o seu nome ligado ao aeroporto de Lisboa, por proposta da Câmara Municipal de Lisboa aceite pelo governo, é natural que se passe a falar mais da sua vida e da sua intensa luta como resistente contra a ditadura que tomou a decisão de o assassinar em Fevereiro de 1965, juntamente com a brasileira Arajaryr Campos, sua secretária. Em 15 de Maio o seu nome passa a estar no aeroporto da capital portuguesa, onde nunca voltou a aterrar depois do corte final com a ditadura.
Humberto Delgado era um homem de grande energia e combatividade que escreveu a monografia “O Infeliz Amor de Soror Mariana, a Freira de Beja”, editada no Rio de Janeiro em 1963 pela editora Civilização Brasileira. O que levou um exilado que mobilizava energias e vontades contra a ditadura de Salazar a interessar-se pelo drama de uma freira apaixonada por um oficial francês? O general tinha um interesse particular por este caso, tendo juntado bibliografia e estudado a correspondência e a personagem.
Mas, para além deste livro que poderá agora ser reeditado, Delgado deixou um romance inédito com o título “Elsa”, sobre o qual nos fala Frederico Delgado Rosa, seu neto, na excepcional biografia “Humberto Delgado-Biografia do General Sem Medo” (Esfera dos Livros, 2008). “Elsa” é um romance de costumes políticos que o general exilado começou a escrever na Embaixada do Brasil, onde esteve refugiado entre Janeiro e Abril de 1959 e que concluiu no Rio de Janeiro em 1963. Este romance aguarda a oportuna e desejada edição, estando a Sociedade Portuguesa de Autores interessada em acompanhar o processo de descoberta de uma editora interessada na obra, ao mesmo tempo que prepara uma exposição sobre Humberto Delgado autor e sobre outros aspectos menos conhecidos da sua personalidade.
O general escreveu em 1940 a peça de teatro radiofónico “A Marcha para as Índias”, publicada em 1954. Em 9 de Dezembro de 1942, Humberto Delgado inscreveu-se na Sociedade Portuguesa de Autores, tendo-se mantido como associado até ao seu assassinato junto à fronteira de Espanha com Portugal em 13 de Fevereiro de 1965. Foi também autor da peça “Asas”, cujo manuscrito se encontra depositado na Biblioteca Nacional. Já o texto do romance “Elsa” encontra-se no Arquivo Histórico da Força Aérea, no processo que diz respeito ao general e na secção relativa à doação de Maria Alberta Delgado Lourenço.
A Sociedade Portuguesa de Autores que, em 8 de Junho de 2008, homenageou o general, também na sua condição de autor, com o descerramento de uma placa, por ser essa a data comemorativa das eleições de 8 de Junho de 1958 em que a ditadura de Salazar privou o general da vitória que, num processo justo e transparente, teria estado ao seu alcance. A placa foi descerrada por Iva Delgado, sua filha e incansável divulgadora e estudiosa do seu legado. Da bibliografia de Humberto Delgado consta também o livro “Memórias”, escrito em português mas logo traduzido para inglês, tendo sido feita nessa língua a edição original quando Humberto Delgado se encontrava hospitalizado em Praga. O manuscrito original perdeu-se, tendo a obra sido depois reconvertida para português em três edições posteriores ao 25 de Abril de 1974.
O general que enfrentou e desafiou a ditadura de Salazar deixou ainda numerosos artigos sobre aviação civil, com valor reforçado na altura em que se discute o presente e o futuro da TAP, vários artigos sobre os anos de exílio que vieram a lume na imprensa brasileira e ainda um volume com crónicas militares e políticas sobre a II Guerra Mundial publicadas por Iva Delgado já depois do derrube da ditadura.
A SPA prepara neste momento, com o apoio de Frederico Delgado Rosa e da família, uma exposição que irá valorizar a actividade autoral do general Humberto Delgado. Essa exposição incluirá fotos, documentos e textos relacionados com a actividade do general como escritor capaz de pensar o seu país e o seu tempo de forma livre e crítica, sem nunca aceitar dependências ou servidões que o limitassem. A escrita teve um papel importante na sua vida, designadamente nos árduos anos de exílio que viriam a culminar com o seu brutal assassinato às mãos de uma brigada da PIDE comandada por Rosa Casaco.
O mais importante e urgente é levar agora ao conhecimento do público e dos estudiosos da literatura o romance inédito do General Sem Medo, acontecimento cultural de inquestionável relevância. A exposição patente no Panteão Nacional, onde repousam os restos mortais do general, e também a da SPA poderão reforçar essa urgência e fazer com que o interesse da família nessa edição, que a SPA deseja contribuir para que se concretize se materialize numa edição de qualidade, por certo apresentada por quem tenha representatividade e excelência intelectual para o fazer. Relembrar e homenagear Delgado autor é uma maneira viva e intensa de o ter mais perto de nós 51 anos após a sua brutal eliminação física.
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores