Uma lei à medida dos espanhóis

Nestas coisas da banca convém nunca arriscar afirmações demasiado categóricas, porque aquilo que é hoje verdade amanhã pode ser mentira. Por isso é que o antigo banqueiro central dos EUA Alan Greenspan dizia: “I guess I should warn you, if I turn out to be particularly clear, you've probably misunderstood what I've said.

Há um mês, António Costa assegurava que não virava a cara aos problemas que precisavam de ser resolvidos na banca e até dava exemplos: "Foi o que fizemos com o Banif, é o que fizemos [sic] com o BPI e é o que faremos com o Novo Banco.” No Banif, o conserto custou três mil milhões de euros aos contribuintes. No BPI, afinal, não o fizeram, porque o acordo entre espanhóis e angolanos apadrinhado pelo primeiro-ministro e pelo seu amigo Diogo Lacerda Machado abortou à 25.ª hora. No Novo Banco cá estaremos para ver e muito provavelmente para pagar.

Isabel dos Santos entrou no BPI pela porta da frente e pela mão dos próprios espanhóis do La Caixa e arrisca-se a sair pela porta dos fundos, depois de um empurrão do Governo português. Em 2008, a empresária angolana comprou 9,69% do capital do BPI ao BCP e, em 2012, após a saída dos brasileiros do Itaú, adquiriu mais 9,436% do BPI, precisamente ao Caixabank.

Depois de o BCE ter exigido ao BPI que reduzisse a exposição ao mercado angolano, Isabel dos Santos sabia que o tempo corria a seu favor e que tinha a faca e o queijo na mão. Em caso de impasse no BPI, Isabel dos Santos sabia que os espanhóis tinham muito mais a perder: apesar de só votarem com 20%, tinham 44,1% investido no capital e tinham acções compradas a preços que hoje parecem exorbitantes.

E pelo que se percebeu, pelas meias verdades, pelas meias notícias e pelos meios comunicados que nos foram chegando, Isabel dos Santos tinha um plano: queria aproveitar a imposição do BCE para virar o jogo a seu favor. De uma assentada poderia abrir mão do BPI, mas ficaria com a maioria do capital do Banco de Fomento Angola (BFA), que nos últimos anos tem sido o "cash cow" para as contas do BPI. Seria a oportunidade ideal para juntar o BIC Portugal (que já tinha comprado os balcões do BPN) ao BFA e cotar a banca luso-angolana na Bolsa de Valores de Lisboa. Desta forma, a filha de José Eduardo dos Santos mantinha parte importante do seu dinheiro longe de Luanda, um factor que não é de somenos nos dias que correm.

Com o que Isabel dos Santos não contava era bater de frente com a intransigência do Banco de Portugal e do BCE, que resistiram em dar à empresária angolana o registo de idoneidade para ser administradora de um banco. Com isto, Isabel dos Santos fez tábua rasa do acordo que antes tinha apalavrado com os espanhóis do Caixabank. Do que Isabel dos Santos, que tinha o queijo e a faca na mão, não estaria à espera é que o Governo, com a anuência de Belém, lhe tirasse a faca do queijo e lha espetasse nas costas. Digam o que disserem, a lei que António Costa tirou da cartola para reavaliar as regras de blindagem é uma lei feita à medida dos espanhóis do Caixabank.

A mudança na lei é justa? Sem dúvida que é. Não faz sentido um accionista ter 44% do capital de um banco e só poder votar com 20%. Não faz sentido hoje, mas também já não fazia sentido no passado, numa altura em que esta mesma lei deu bastante jeito aos espanhóis para proteger o banco contra investidas hostis. Agora mudar a lei no meio deste caso é claramente mudar as regras a meio do jogo. E mudar as regras a meio do jogo é fazer batota. Dirão, se calhar com bastante razão, que é uma batota para proteger a estabilidade do sistema financeiro nacional. É verdade, mas é batota à mesma. Abre o flanco à litigância jurídica. E o cenário de retaliação de Angola não é de descartar.

Esta nova lei do Governo entrega de bandeja o BPI aos espanhóis e, depois da venda do Banif ao Santander, não há manifesto que nos valha contra a espanholização da banca. Agora será curioso ver o que acontecerá ao BCP. O banco de Nuno Amado perdeu algum ângulo especulativo, já que uma das ambições de Isabel dos Santos seria ensaiar uma fusão BCP-BPI. No entanto, com as acções a preços de saldo (a gestão até já propôs um reverse stock split) e com a nova lei também, o BCP arrisca-se a perder a blindagem dos estatutos e a ficar à mercê de uma OPA hostil. Provavelmente não será de angolanos, pelo menos enquanto o barril do petróleo estiver nos 40 dólares. Mas não deixaria de ser uma grande ironia se assim fosse.

Seria o feitiço a virar-se contra o feiticeiro, ou Isabel dos Santos a virar-se do BPI para o BCP, onde, aliás, já terá tido luz verde governamental para colocar um pé. Mas Isabel dos Santos quererá colocar os dois. Entrou no BPI pela porta grande, sai pela porta pequena e é capaz de entrar no BCP pela janela, sem pedir licença. Por esta altura, António Costa estará a cantarolar “eu tenho dois amores, e não sei de qual gosto menos”. Se dos espanhóis se dos angolanos. Isabel dos Santos estará a dizer: amor com amor se paga.

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