Os Panama Papers podem ajudar a recuperar quadro roubado pelos nazis
Empresa que pôs o quadro de Amedeo Modigliani em leilão negava ser a proprietária. Os documentos trazidos pelo escândalo esclarecem.
Quem está na posse de um Modigliani roubado pelos nazis? Os Panama Papers permitem agora responder a esta pergunta, que tem ocupado tribunais em Nova Iorque.
Sabia-se já onde repousa o Homem Sentado com uma Bengala, que o pintor italiano Amedeo Modigliani criou em 1918: está adormecido num armazém numa zona franca junto ao aeroporto de Genebra. Mas ninguém conseguia chegar aos alegados donos da obra, avaliada em 22 milhões de euros.
Esta sexta-feira, vários órgãos de informação suíços (Le Matin, La Tribune de Genève e o Tages Anzeiger), noticiaram que o quadro está na posse de uma empresa offshore do influente coleccionador de arte David Nahmad, criada pelo escritório Mossack Fonseca, que está no epicentro dos Panama Papers.
Semanas antes de as tropas alemãs chegarem a Paris, Oscar Stettiner, um judeu britânico que fazia ali comércio de antiguidades, decide fugir com a família, deixando para trás a sua colecção, escreve o The Guardian. Os seus bens serão depois dispersos, mas sabe-se que em Julho de 1944 foi vendido “um quadro de Modigliani” por 16 mil francos (3600 euros), adianta o Le Monde.
Quando a guerra terminou, os Stettiner tentam recuperá-lo. Sabem que um galerista chamado John Van der Klip o comprou, mas em 1947 este afirma que o vendeu a um oficial americano cujo nome desconhece. Oscar Stettiner morre no ano seguinte sem ter voltado a ver o quadro e a sua filha não quis continuar as buscas, adianta o diário francês. A família não teve qualquer sinal dele até 2008, quando o Homem Sentado apareceu na Sotheby’s em Nova Iorque.
O assunto não ficou fechado. O neto e único herdeiro de Oscar Stettiner, Philippe Maestracci, começou uma luta que só agora poderá estar mais próxima do fim. A leiloeira afirmou que a obra lhe tinha sido concessionada pela Helly Nahmad Gallery. Esta negava que fosse a dona do quadro.
Os irmãos Ezra e David Nahmad construíram a sua fortuna sobretudo graças ao comércio de obras de arte, refere a AFP. A sua colecção de cerca de 4500 peças inclui 300 Picassos e está guardada no armazém situado junto ao aeroporto de Genebra, uma zona isenta de taxas aduaneiras. Mas a Nahmad garantia que este quadro não lhe pertencia, antes a uma empresa offshore chamada International Art Center (IAC), criada no Panamá em 1995, que o teria comprado no ano seguinte num leilão da Christie's.
Até agora, a justiça americana não tinha conseguido actuar sobre os donos da IAC, por estes estarem alegadamente no Panamá, fora do alcance judicial das instâncias nova-iorquinas. Mas os Panama Papers – um conjunto de 11,5 milhões de documentos saídos da sociedade de advogados Mossack Fonseca – vêm provar que são os próprios Nahmad os donos da empresa, avançam os media suíços.
O Le Matin publica um documento onde se mostra que David Nahmad, que vive entre o Mónaco, Paris e Nova Iorque, é o único proprietário da IAC desde Janeiro de 2014. O seu filho e um sobrinho, ambos chamados Helly, dirigem a galeria Helly Nahmad em Nova Iorque e Helly Nahmad em Londres, respectivamente.
Segundo o Guardian (que juntamente com o Le Monde e outros 106 órgãos faz parte do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação que recebeu os Panama Papers), a IAC foi criada por Ezra Nahmad e gerida a partir de um escritório de advogados em Genebra. Os registos da Mossack Fonseca mostram que metade das acções da IAC foi transferida para David Nahman em 2008, e a outra metade em 2014.
O tempo vai passando e o valor das obras de Modigliani subindo. Em Novembro passado, o Nu deitado de Modigliani tornou-se na segunda obra mais cara de sempre vendida em leilão. Foi à praça na Christie’s de Nova Iorque por cem milhões de dólares (cerca de 93 milhões de euros) e acabou por ser comprada por 170,4 milhões de dólares (158,3 milhões de euros).