PS adia votação de diploma que põe bancos a pagar parte dos empréstimos à habitação
Versão articulada com Bloco e PCP é benéfica para os clientes quando a taxa final ficar abaixo de zero, mas socialistas admitem alterações.
Um diploma que juntou o PS ao Bloco e ao PCP, e onde se obriga os bancos a reflectir integralmente o valor negativo da Euribor nos contratos à habitação, devia ir a votação na próxima quarta-feira. Devia, mas já não vai, porque os socialistas vão pedir o seu adiamento, e o seu conteúdo pode ainda ser alterado.
Neste momento, tal como está elaborada, a versão conjunta do projecto de lei sobre o reflexo das taxas de juro negativas nos empréstimos à habitação, a que o PÚBLICO teve acesso, obriga os bancos a reflectir integralmente o valor negativo da Euribor nos contratos, o que implica que, sempre que o spread (margem comercial do banco e que compõe a taxa final) seja anulado, a taxa negativa terá de ser abatida ao capital em dívida.
Por enquanto, apenas um número reduzido de contratos à habitação já se encontra com taxa final negativa (a Euribor a três meses fixou-se em Março em -0,229% e a de seis meses em -0,134%) mas pode assumir maior relevância se as taxas continuarem a cair, como é expectável nos próximos meses (devido à política monetária do BCE).
No entanto, é o próprio PS quem admite que o texto de substituição das propostas iniciais do Bloco de Esquerda e PCP, elaborado com a participação activa do PS, não está livre de modificações. Em declarações ao PÚBLICO, João Paulo Correia, deputado do PS, esclareceu que vai pedir o adiamento da sua votação, que deveria acontecer esta quarta-feira na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças e na sexta-feira no plenário.
O deputado contesta que o texto a que o PÚBLICO teve acesso “seja definitivo”, e admite mesmo que “pode sofrer alteração”, razão porque vai pedir a remarcação da votação. Questionado sobre a manutenção do aspecto mais importante do diploma – o reflexo integral da Euribor negativa nos contratos, mesmo depois abatido o valor total do spread - , João Paulo Correia escusou-se a responder.
O deputado limitou-se a dizer que o PS pretende que a carta-circular do Banco de Portugal (BdP) sobre esta matéria, que não é vinculativa, passe a ter força de lei. Acontece que o teor da carta-circular tem gerado várias interpretações e, tal como o PÚBLICO noticiou recentemente, os bancos estão a fazer uma aplicação restritiva. Ou seja, estão a abater o valor negativo da Euribor ao spread, como recomenda o supervisor, mas só até ao patamar de zero (os clientes deixam de pagar juros, apenas amortizam capital em dívida). Mas estão a recusar-se a considerar a taxa abaixo de zero, o que implica que o banco terá de passar a participar na amortização do empréstimo do cliente, enquanto essa situação se verificar.
A carta-circular, de Março de 2015, refere que “nos contratos de crédito e de financiamento em curso não podem ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra legal”.
Clientes "também não pagam" pelos depósitos
Na audição sobre este diploma, o próprio BdP defendeu a necessidade de uma clarificação legislativa sobre esta matéria. Foi ainda ouvida a Associação Portuguesa de Bancos, que defendeu que, tal como nos depósitos não pode haver uma taxa negativa que iria obrigar os clientes a pagar por depósitos, também nos empréstimos não pode ser o banco a pagar parte do capital emprestado.
Por contraponto, os partidos de esquerda alegam que, quando as taxas Euribor dispararam, encostando aos 6%, os bancos reflectiram integralmente essa subida, o que gerou muitos incumprimentos por parte das famílias. A decisão do BCE, de emprestar dinheiro aos bancos a taxas negativas, é outro dos argumentos a favor do reflexo integral da Euribor.
Com estava até sexta-feira passada, a lei abrange todos os contratos de crédito e de financiamento que utilizem um determinado índice de referência, como é o caso da Euribor, o que abrange a quase totalidade dos empréstimos à habitação, mas também os empréstimos às empresas. Estes últimos têm habitualmente prazos mais curtos, o que permite à banca subir a componente do spread no caso da sua renovação.
O diploma que deveria ir a votação na próxima semana prevê no artigo 5º que quando a aplicação do cálculo da taxa de juro “resultar num valor negativo deve o mesmo ser reflectido e aplicado nos contratos de crédito abrangidos pelo disposto na presente lei”. Estabelece ainda que esse reflexo “é aplicável também nas situações em que a aplicação da taxa de juro com a adição da margem (spread) assuma valores negativos”. E, apesar de a redacção ser pouco precisa, estabelece que “as instituições de crédito podem reflectir a taxa de juro negativa no capital vincendo em qualquer momento do crédito”.
Impede-se ainda as instituições de crédito “de inserir, no plano contratual, condições que permitam a alteração da taxa de juro contratada (…)” e de inserir “de modo unilateral ou contratual, condições que permitam a ocorrência de alterações aos contratos de crédito das quais resulte modificação do preço ou do valor das comissões previamente acordados com o cliente no momento da sua celebração”.