Fora da ordem

Há quatro grandes federações no nosso hemisfério. Os Estados Unidos da América, do século XVIII, a República Federativa do Brasil, do século XIX; fundadas no final do século XX, temos a União Europeia e a Federação Russa.

A grande questão para o Brasil é se conseguirá resgatar a sua democratização. Nos últimos vinte anos o Brasil conseguiu domar a hiperinflação (com Fernando Henrique Cardoso) e avançar verdadeiramente pela primeira vez no sentido de uma sociedade inclusiva (com Luís Inácio Lula da Silva). Conseguiu mais do que isso: fazer entre estes dois homens uma transição de poder cordial e construtiva. Restavam dois problemas essenciais para resolver: a corrupção e a violência. No início do seu mandato, Dilma Rousseff deixou cair ministros corruptos e deu autonomia aos poderes de investigação. Mas a corrupção no Brasil está endemicamente ligada a uma política e um Congresso disfuncionais. A oposição a Dilma tentará apresentar a impugnação da Presidente como uma vitória da luta contra a corrupção; na verdade, será uma vitória da corrupção contra a democracia. Basta ver os possíveis sucessores da Presidente: Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, todos mencionados (ao contrário de Dilma) como beneficiários de pagamentos na operação Lava-Jato.

Os Estados Unidos da América estão prestes a provar os frutos da sua própria política disfuncional. Uma legislação de financiamento político que basicamente instituiu a corrupção legal das candidaturas e das carreiras políticas permitiu que, num sistema a dois partidos, um deles tenha deixado simplesmente de ser racional ou sequer razoável. A gangrena interna do Partido Republicano abriu as portas a um fenómeno como Donald Trump. Com um pouco de sorte, talvez o candidato democrata ganhe, talvez possa um juiz progressista ocupar o lugar que resta vazio no Supremo Tribunal, e talvez o Supremo permita mudar a lei de financiamento partidário. Se assim for, a grande federação norte-americana talvez se salve da catástrofe.

***

Do lado de cá do Atlântico, muitos são os diagnósticos de fragilidade da União Europeia — para muitos efeitos, uma federação, embora não uma nação — e muitas as profecias do seu colapso. A UE funciona a espasmos, sem rotinas claras e com pouca legitimação democrática. Além disso, enfrenta um feixe de crises que seria um desafio colossal em qualquer parte do mundo. É que, ao contrário das outras federações-nações, a UE é indiferente a grande parte dos seus próprios cidadãos. Não há um patriotismo da UE. No entanto, isso também dá uma geometria variável à UE que a torna mais maleável (e resistente) do que parece.

A Federação Russa é de todas a que projeta uma imagem de maior força, porque é de todas a mais autoritária. É a que menos flexibilidade tem para a deriva. Não torce, mas quebra. Em 2015 e 2016 foi uma das grandes economias que mais se contraíram. Há quase cem mil milhões de dólares em dívidas por pagar até 2018, quando Putin se quiser reeleger. A Federação Russa é menos resistente do que parece.

O que é importante, porém, é que cada uma destas federações tem uma importância regional ou global que as ultrapassa. Com todas elas em crise, é o hemisfério inteiro que está fora da ordem, e longe do progresso.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários