Açores quer extinção do cargo de representante da República

Ponta Delgada está a preparar uma proposta de revisão constitucional para extinguir um cargo cuja existência, diz o presidente açoriano, revela “desconfiança” para com a autonomia. Líder do PS/Madeira apoia.

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Vasco Cordeiro recebeu o apoio de António Costa e de Carlos César na questão do reforço da autonomia. Nuno Ferreira Santos

Quando no início da semana passada Marcelo Rebelo de Sousa reconduziu Pedro Catarino e Ireneu Barreto como representantes da República para os Açores e para a Madeira, respectivamente, tanto Ponta Delgada como o Funchal aplaudiram os nomes, mas os açorianos avisaram logo: o cargo é para extinguir.

Vasco Cordeiro, chefe do executivo açoriano, transmitiu isso mesmo ao Presidente da República e, no final de uma audiência em Belém, lembrou aos jornalistas o “consenso generalizado” que existe nos Açores em relação à extinção do cargo de Representante da República. A região, afirmou Cordeiro à saída do encontro com Marcelo, está a trabalhar numa proposta de revisão constitucional que pretende protagonizar essa mudança.

“Tendo em conta o consenso generalizado que na região existe quanto à extinção do cargo de Representante da República, julgo que o Presidente da República, com conhecimento deste facto, terá tido isso em conta e essa parece-me uma solução mais adequada e mais razoável, tendo em conta que, a prazo, se chegará a uma situação de extinção do cargo", reagiu o presidente do governo açoriano, à recondução de Pedro Catarino.

Em Maio do ano passado, durante as comemorações do Dia dos Açores, Cordeiro já tinha sido incisivo nesta matéria, apontando a existência de um Representante da República nas regiões autónomas como revelador de “desconfianças ou receios” sobre a autonomia, acrescentando que após quatro décadas de autonomia política era tempo de “reflectir e debater” a extinção do cargo.

Esta sexta-feira, durante a sessão de abertura do XVI Congresso do PS-Açores, Carlos César, líder parlamentar em São Bento, falou do empenho “socialista” em tornar a autonomia mais moderna, sustentável e democraticamente genuína, num sinal de abertura a uma revisão constitucional, enquanto ontem, no encerramento da reunião magna dos socialistas açorianos, António Costa reforçou a promessa.

“Festejamos estes 40 anos de autonomia, e festejamos com os olhos postos no futuro, com a ambição que sempre temos de poder melhorar, aprofundar e enriquecer a autonomia regional dos Açores e da Madeira, como uma forma de revitalizar e dar força ao Estado unitário que é Portugal”, disse Costa, lembrando a “posição central” que o PS teve nas conquistas autonómicas dos Açores e da Madeira, não só há 40 anos na Assembleia Constituinte, como nas sucessivas revisões constitucionais.

“Orgulho-me de, enquanto líder parlamentar do PS em 2004, ter contribuído para desenhar o grande salto no aprofundamento da autonomia que sanou grande parte do contencioso que até aí existia entre a República e as duas regiões autónomas”, sublinhou.

Além da extinção do Representante, o PS-Açores pretende ainda, via revisão constitucional, viabilizar candidaturas de cidadãos independentes ao Parlamento regional, o que, em Portugal, é exclusivo dos partidos políticos. Defende também que os conselhos de ilha que existem em cada uma das nove ilhas do arquipélago passem a ter competências executivas em vez de serem, como actualmente, meros órgãos consultivos do poder regional.

Na moção que Vasco Cordeiro levou ao congresso, e que foi aprovada por unanimidade, o chefe do executivo açoriano defende a “actualização da arquitectura institucional da autonomia” através da “extinção do cargo de Representante da República”. As competências deste, explica, devem ser afectadas a órgãos regionais criados ou a criar nessa revisão constitucional.

Cordeiro, que já tinha criticado as competências de veto político do representante mesmo não detendo a “imprescindível legitimidade democrática”, ouviu no congresso o líder do PS-Madeira pedir o fim dos “regedores do reino” porque as autonomias, disse Carlos Pereira, cresceram e entraram na fase adulta.

“O passo imperioso para a evolução e aprofundamento deste mecanismo é acabar com os regedores do reino e elevar e credibilizar os nossos parlamentos atlânticos. Na verdade não precisamos de tutores e de representantes junto de nós”, afirmou, dizendo que os parlamentos regionais não são “filhos menores” do sistema democrático constitucional. "Se o Presidente da República o é de todos os portugueses, sendo nós portugueses a fiscalização legislativa deve ser feita por esse órgão de soberania sem intermediários ou enclaves territoriais”, sustentou Carlos Pereira, defendo ainda uma “clarificação urgente” das competências autonómicas em termos constitucionais.

Na Madeira, Miguel Albuquerque, embora considere redundante a existência de um Representante, tem sido mais comedido do que o antecessor. Enquanto Alberto João Jardim estava manifestamente contra o cargo, o actual presidente do governo do Funchal apenas insistiu para que a escolha de Marcelo Rebelo de Sousa fosse para um nome com “ADN madeirense”. “Enquanto existir o cargo, defendo que deve ser madeirense e ter um perfil de bom relacionamento com os órgãos do governo regional”, disse Albuquerque, mostrando-se agradado com a recondução de Ireneu Barreto.

O cargo tem vindo a esvaziar-se de competências nas sucessivas revisões constitucionais. Quando foi criado, em 1976, era Ministro da República e tinha assento no Conselho de Ministros sempre que em discussão estivessem assuntos de interesse da respectiva região. Na revisão de 2004 passou a Representante da República e perdeu competências mas manteve alguns poderes polémicos como o de vetar diplomas regionais.

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