O “tendero” é o maior concorrente da Jerónimo Martins na Colômbia

Nas lojas Ara, não pode faltar música nem festa e há fiado para os clientes mais próximos. O grupo português quer dominar o comércio dos bairros.

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Consumidores colombianos dão preferência ao pequeno comércio
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Imagem de uma das lojas da Jerónimo Martins na Colômbia

Ao virar da esquina de uma movimentada rua em Pereira, o centro económico da região do Eixo Cafeteiro, na Colômbia, uma pequena mercearia vende fruta. Mais à frente há um comércio fervilhante de drogarias, lojas onde se podem comprar minutos de conversação em telemóveis e manequins que exibem roupa colorida e justa ao corpo de plástico, com formas femininas exageradas. O supermercado da cadeia Ara, do grupo Jerónimo Martins, não tem mais de 230 metros quadrados e veio ocupar o lugar de um destes estabelecimentos de pequeno comércio tradicional. Destaca-se pela fachada cor-de-laranja e as bandeiras coloridas que enfeitam o edifício.

Na Colômbia quem domina são as lojas de bairro – 60% da distribuição alimentar é assegurada por estabelecimentos de cariz familiar e 20% por cadeias regionais independentes. Os restantes 20% são garantidos por grandes operadores nacionais e internacionais que, segundo a agência de promoção externa do governo, a Procolombia, já começam a “beliscar” o negócio dos pequenos. Neste campeonato, o gigante francês Casino Guichard Perrachon, dono dos supermercados Geant Casino e Monoprix em França e com mais de 14 mil lojas em todo o mundo, lidera com os Almacenes Éxito e outras declinações como o supermercado Éxito e o Éxito Express. A sua presença espalha-se ainda com o Surtimax, o Super Inter, o Carulla. O número dois é o colombiano Olímpica, que também detém outras marcas de sucesso como as lojas Sao. Seguem-se os supermercados Jumbo, da chilena Cencosud.

Mas nem todos os colombianos conseguem chegar (literalmente) aos espaços modernos destas cadeias e é nas pequenas mercearias que a população com menos posses e sem meios de transporte se abastece. Quando há três anos inaugurou a primeira loja em Pereira, a Jerónimo Martins desenhou toda a sua estratégia focada nestes clientes, encaixados entre a classe dois e três numa sociedade muito estratificada e desigual, mas ao mesmo tempo jovem e a conquistar poder de compra. A intenção da empresa portuguesa é “democratizar o acesso a comida de qualidade” e, por isso, apostar nos produtos de marca própria, que já pesam 37% nas vendas.

Nos próximos quatro anos, o grupo que detém o Pingo Doce em Portugal e a Biedronka na Polónia, espera ter mil lojas Ara e abrir, por ano, um centro de distribuição. O negócio não dará lucro antes de 2018 e Pedro Soares dos Santos, presidente executivo, diz mesmo que, depois de três anos de experiência na Colômbia, ainda está na fase de “ouvir, mais do que falar”, “absolutamente focado” em compreender os hábitos de compra.

“Viemos para fazer dinheiro. O consumidor e o mercado vão dizer-nos quando. A capacidade de nos escolher como número um é dele”, disse, numa conferência com analistas e investidores que se deslocaram àquele país da América Latina a convite da Jerónimo Martins. Para já, e de acordo com a Procolombia, que cita dados do Euromonitor, a marca Ara ocupa a 14ª posição no mercado da distribuição alimentar, com 0,4% de quota.

Na loja de Pereira, com 230 metros quadrados, há frango assado junto às caixas registadoras. Vem embalado num saco de plástico com uma pega para facilitar o transporte e traz arepas, pão feito com farinha de milho e típico do país. “É o produto mais vendido nas lojas”, conta Pedro Soares dos Santos, enquanto faz uma visita guiada. Há vinho português, mas as bebidas destiladas levam a melhor nos cestos de compras. As batatas mais vendidas são as que ainda têm a terra agarrada. E é impensável não oferecer arroz ou feijão a granel. O segundo produto mais vendido é a panela, uma massa dura feita de açúcar de cana (que é fervido), criada originalmente para facilitar o transporte de açúcar e muito popular nesta região. Pedro Veloso, o director da Jerónimo Martins Colômbia, recorda que um dos erros da empresa quando abriu as primeiras lojas foi pensar que os clientes iriam preferir panelas de tamanho mais pequeno. Não se venderam. “As panelas são regionais e se temos as erradas somos vistos como ignorantes”, admite.

Lembra ainda que os “barrios” são o coração da comunidade. Onde tudo acontece. “Se somos acolhidos como vizinhos, se pertencermos ao bairro temos meio caminho andado”, continua, para mais tarde sublinhar que o comerciante, o “Sr. Carlos”, sem caixa registadora nem preços marcados nos produtos, é o maior concorrente, o “verdadeiro líder de mercado”.

É por este motivo que o gerente de cada uma das 149 lojas da Jerónimo Martins na Colômbia tem autonomia para decidir preços e promoções. E decidir a quem dar fiado. “Gere os preços de acordo com o que rodeia a loja. A loja é o bairro. E nos bairros o ‘tendero’ tem capacidade de dar crédito, baixar os preços, é líder da comunidade. Nessa medida, somos a loja do bairro”, diz, por seu lado, Pedro Soares dos Santos. A concessão de fiado não é uma prática alargada a toda a rede e está, por enquanto, a ser testada em oito unidades. De acordo com Pedro Veloso, cada loja concede fiado a um máximo de 60 clientes, numa “base de confiança”, sem taxa de juro. O dinheiro é devolvido a cada quinze dias (os salários na Colômbia são pagos em duas tranches) e só é concedido novo empréstimo quando a dívida está regularizada. “O dinheiro que pedem é fundamentalmente para comprar produtos básicos e essenciais”, descreve.

Em Barranquilla, já perto do mar das Caraíbas e onde vivem dois milhões de pessoas, o terceiro aniversário da Ara na Colômbia é festejado numa das lojas com bolo e música. Uma mesa coberta com uma toalha amarela está cheia de pequenos copos com doce, oferecidos a quem entra por duas raparigas vestidas com traje tradicional, vestido amarelo com folhos e lenço na cabeça. De microfone em punho, um animador anuncia o “espectacular aniversário” da cadeia, que oferece “alegria ao melhor preço”, o slogan da Ara. Da música popular e cheia de ritmo, passa-se ao “happy birthday”. Trabalhadores e clientes cantam os “parabéns” e batem palmas. Corta-se o bolo. E a música continua a rolar, estridente.

Em Soledade, outra localidade perto, a inauguração de uma nova loja junta dezenas de pessoas à porta. Há dois dançarinos a dançar freneticamente em cima de um palco, indiferentes ao calor abrasador e clientes (sobretudo mulheres) que abanam o corpo ao ritmo da música. Depois, faz-se um concurso de dança e duas mulheres da plateia sobem ao palco para disputar o pódio. “As palmas, as palmas”, grita o animador enquanto elas dançam com competência.

A loja está a abarrotar, com clientes que olham com curiosidade para as prateleiras, outros que provam o frango assado, campeão de vendas, outros que enchem os pequenos carrinhos de compras. Levam arroz e caixas de 36 ovos, detergente ou chocolates. À saída, preenchem um papel para concorrerem ao sorteio de um carro, estacionado à porta com uma grande fita de embrulho cor de laranja.

Na Polónia, onde a Jerónimo Martins tem mais de 2600 supermercados (e de onde já vem 67% da facturação) é impensável ter música nas lojas. Em Portugal, o som estaria demasiado alto para as preferências dos consumidores. Na Colômbia, o negócio “é totalmente diferente”, conta Pedro Soares dos Santos.

Com clientes habituados a ter lojas perto de casa e prateleiras que respondem às suas necessidades – muito diferentes de região para região, num país com 48 milhões de habitantes – a Jerónimo Martins não percebeu desde logo que teria de criar uma ligação emocional com os consumidores. “Foi uma abordagem inicial muito racional, mas na Colômbia é preciso mais”, diz Pedro Veloso, referindo-se à relação de proximidade com o “tendero”.

Samuel Estrada, vice-presidente criativo da McCann (agência que criou a imagem e a marca da Jerónimo Martins na Colômbia), acrescenta que a ligação dos colombianos com o seu comerciante “transcende a transacção comercial, são amigos”. Daí que os maiores operadores, como a Éxito tenham criado formatos de loja mais pequenos, adaptados à região. As diferenças geográficas não podem ser ignoradas. Se numa localidade se usa a panela, noutra o açúcar é mais comum. Se numa se come mais arroz, noutra é a batata que impera. E esquecer essas diferenças pode deitar por terra qualquer tentativa de expansão.

O grupo português acredita que, três anos depois da entrada na América do Sul, é “crucial” acelerar o negócio e abrir lojas nas várias regiões. O investimento até 2020 será de 500 a 600 milhões de euros. E a possibilidade de, a longo prazo, investir noutros países do continente não foi descartada pelo presidente executivo. “Temos muitas ideias”, diz Pedro Soares dos Santos.

O Público viajou a convite da Jerónimo Martins

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