Aprovado o OE, o difícil começa agora

A geringonça passou o Orçamento e a caranguejola continua amuada. Que venha a execução.

É caso para dizer: quem o viu e quem o vê. O Orçamento para 2016, desde a sua versão mais precoce, o tal esboço com o qual Bruxelas embirrou, até à sua versão final, aprovada hoje em votação final global, sofreu uma grande transformação. Para melhor, diga-se. Este Orçamento, que nos primórdios tentou replicar o programa eleitoral do PS, rapidamente sofreu um abanão com os acordos de governação à esquerda que aceleraram a reposição de rendimentos. O resultado final foi criticado por Bruxelas, pelas agências de rating e até pelo insuspeito Conselho das Finanças Públicas de Teodora Cardoso. E o esboço do Orçamento regressou do Eurogrupo com mais de mil milhões de euros de impostos adicionais, o que ajudou a apaziguar os mercados e a minimizar o risco de derrapagens. A narrativa do aliviar da austeridade teve de ser substituída pela da redistribuição dos sacrifícios.

Depois de chegar à Assembleia da República, o Orçamento sofreu um outro grande abanão durante os 30 dias de discussão na especialidade; foram feitas mais de 200 propostas de alterações, e foram aprovadas 135. O documento ficou mais forte e mais justo na especialidade, com a proposta do PS de aumentar a dedução fixa por filho no IRS para 600 euros; com a isenção de cláusula de salvaguarda do IMI proposta pelo Bloco; com a criação de uma prestação extraordinária para desempregados sugerida pelo PCP; com a ideia do CDS de aumentar o número de beneficiários do Passe Social +; com o programa de remoção de amianto do PEV; ou com a dedução no IRS de parte do IVA das despesas veterinárias sugerida pelo PAN.

Mas a discussão do Orçamento também foi o espelho dos novos equilíbrios e desequilíbrios políticos do país. Chegámos a ver o CDS e o PCP a votarem favoravelmente uma proposta do BE (sobre o recrutamento de trabalhadores nos municípios em situação de saneamento), o PSD a abster-se e o PS a votar contra. Teresa Leal Coelho, presidente da presidente da Comissão Parlamentar de Orçamento, desabafou: "Isto é mesmo um mundo novo". Uma geometria variável que até baralhou Ferro Rodrigues que veio apontar "as combinações tão novas" entre as forças parlamentares.

Neste mundo novo, o PSD resolveu ficar à margem e a sua regra de chumbar todos os artigos do Orçamento e abster-se em todas as propostas de alteração (independentemente do valor de cada proposta) colou a caranguejola – expressão lançada no debate por Carlos César – a uma imagem de birra e de ficar agarrada ao passado. O PS, na questão das ajudas à Turquia e à Grécia (em que teve de contar a abstenção do PSD para as viabilizar), também percebeu que a sua maioria de esquerda é frágil e é pouco elástica.

O Governo, como fez questão de lembrar, e bem, o líder da bancada do PS, tem agora a sua tarefa mais difícil, que é a execução disciplinada do Orçamento durante este ano, sendo que essa é a única garantia que tem de que em 2017 poderá manter o rumo que escolheu em termos de política económica. E se calhar a única garantia da sua própria sobrevivência política.

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