A não vigência do Acordo Ortográfico de 1990

Para vigorar (de jure), impunha a unanimidade de aprovações finais dos sete Países signatários.

Como velho diplomata português, e, embora já aposentado, não vou entrar em polémica com Sua Excelência o Embaixador do Brasil em Portugal em tudo, absolutamente tudo, o que tiver que ver com o relacionamento entre esse grande país que é o Brasil, de mim muito querido, e o meu pequeno e queridíssimo Portugal — isso é política internacional luso-brasileira, em que eu, dado o meu estatuto, entendo não dever (nem quero) entrar. Limito-me a declarar que só desejo que tal relacionamento seja o mais eficiente possível, em benefício mútuo, e também desejo ao Senhor Embaixador do Brasil os maiores êxitos na sua acção diplomática nesse sentido.

Portanto, vou restringir-me aos aspectos relativos ao Direito Internacional.

O Senhor Embaixador do Brasil termina a sua lengalenga, de que, obviamente, eu não necessito, por concluir que opiniões são opiniões, com o que eu concordo: o Senhor Embaixador do Brasil tem a sua opinião e eu tenho a minha, nem La Palice diria melhor, e, para que não haja dúvidas, vou repeti-la, não abstracta mas sim muito concretamente.

O texto e espírito do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 era a uniformização da ortografia e a consequente unanimidade de aprovações da ortografia do Português, hoje língua oficial de nove Estados soberanos. E, por isso, para vigorar (de jure), impunha a unanimidade de aprovações finais dos sete Países signatários.

Como qualquer pessoa entende, só essa unanimidade tem sentido, até porque, se fosse para manter ou fomentar a diversidade, para quê fazer um acordo que só teria sentido na base da unanimidade?!

Depois, através de bem mais de uma dezena de anos e de várias manobras para fazer vigorar o, a meu ver, abstruso AO/90 inicial, acordou-se, em 2004, em modificar o texto e filosofia iniciais.

A prova de que nem todos os negociadores do 2.º Protocolo estavam devidamente informados do que os seus respectivos Países pensavam em relação às implicações das alterações substanciais feitas por este Protocolo ao texto e filosofia iniciais do AO/90, é que Angola e Moçambique, que já não tinham aprovado o AO/90 inicial, também se têm recusado a aprovar o AO/90 modificado, e, designadamente, o 2.º Protocolo.

Como todas estas alterações se referem a textos ainda não vigentes, a meu ver, neste ponto específico, não tem aqui lugar a invocação da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, embora, se fosse de aplicar, seria, no meu entendimento, favorável à minha tese.

Eu tenho insistido em tratar este problema, da vigência ou não do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, fora de considerações políticas, restringindo-me aos aspectos jurídicos, como creio dever ser, e, por isso, reitero agora essa insistência — como acordo internacional, é pelo Direito Internacional que tem de ser analisado.

Ora bem, em 1991 (Portugal) e em 1995 (Brasil) ratificaram o AO/90 (é de notar que as ratificações, estas ou quaisquer outras, não chegam para pôr um acordo internacional em vigor; são apenas um dos actos essenciais do processo dessa entrada em vigor, processo que só termina com a publicação do Aviso por parte do Estado depositário do acordo, dizendo que ele entrou em vigor e em relação a que Estado, signatário ou aderente).

Dada a falta evidente da necessária unanimidade de aprovações exigida pelo texto do AO/90, Portugal nunca emitiu o respectivo Aviso dizendo que o AO/90 entrara em vigor com o texto e filosofia ortográfica iniciais.

Com as alterações feitas pelo Acordo do 2.º Protocolo, o texto e filosofia iniciais do AO/90 são essencialmente alterados. Isto, a meu ver, leva a que qualquer pessoa, sem necessidade de ser lógica de alta consideração, entenda que o AO/90, de 1990, deixou de existir. O que passou a existir, em substituição dele, é um texto e filosofia essencialmente diferentes.

Quem não aceitar este facto, que eu julgo evidente, pois até La Palice o diria, não aceitará a argumentação lógica a que esta premissa obriga.

Portanto, a meu ver, como se trata agora de um novo texto e de nova filosofia ortográfica, para que possa vigorar (de jure) terá de ser aprovado, e, obviamente, com novas ratificações, não podendo ir-se repristinizar as ratificações de 1991 e 1995, relativas a texto e filosofia essencialmente diferentes.

Assim, a meu ver, o AO/90 modificado ainda não está em vigor (de jure) em nenhum dos sete Estados signatários, incluindo Portugal.

É isto abstracto ou concreto?

Para maiores desenvolvimentos, v. CARLOS FERNANDES, O Acordo Ortográfico de 1990 não está em vigor, Guerra e Paz (já no prelo)

Embaixador

 

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