Supremo Tribunal de Justiça responsável pela condenação do Estado português
No caso dos despedimentos na Air Atlantis, está aberta a porta a uma condenação do Estado Português no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelos trabalhadores.
A história é tão simples quanto lamentável, e conta-se em poucas linhas: em 1985, a TAP criou a companhia charter Air Atlantis e para ela transferiu aviões, tripulantes (com o que também diminuiu formalmente os seus quadros de pessoal), licenças de voo, equipamentos, utensílios e instalações.
Em Fevereiro de 1993, e com o objectivo de “reinternalizar” a actividade económica dos voos não regulares, a TAP, como principal accionista da Air Atlantis – AIA, fez deliberar em Assembleia Geral a dissolução desta, a qual de seguida comunicou a todos os trabalhadores o seu despedimento colectivo. Logo após a consumação dos efeitos deste, a TAP retomou os aviões (tendo-lhes mudado as cores e o logotipo que passaram a ser os da TAP), instalações, utensílios, e demais equipamentos, e passou a realizar as operações de voos charter que até aí eram efectuadas pela Air Atlantis. Em suma: a TAP, com esta operação, ficou com os activos da AIA, deixando o “passivo”, (leia-se, os trabalhadores) de fora, ou seja, no desemprego!
Com tais fundamentos, um elevado número desses mesmos trabalhadores da Air Atlantis impugnou o seu despedimento e peticionou que, por via da transmissão da unidade económica em que trabalhavam e por força quer do artigo 37º da então em vigor Lei Geral do Trabalho (Decreto Lei nº 49408) quer da Directiva Comunitária nº 77/87/CEE do Conselho, os seus contratos fossem declarados retransmitidos para a mesma TAP.
A respectiva acção foi julgada procedente no 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, mas, tendo sido entretanto interpostos vários recursos, designadamente pela TAP e pela AIA, o caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, onde um conjunto de Autores requereu o reenvio prejudicial da questão da transmissão da empresa ou estabelecimento para o Tribunal de Justiça da U.E., tal como o direito comunitário prevê.
Porém, o nosso Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão de 25/2/09 da sua 4ª secção (in Proc. 08S2309.dgsi.Net, p. 613), não só indeferiu esse requerimento (sob o pretexto, infundado, de que “não tinha dúvidas sobre a interpretação da Directiva”), como sancionou o dito despedimento, sob a tese, errônea, de que não se teria verificado uma tal transmissão, mas apenas uma mera liquidação do património e transmissão de elementos desconexos do estabelecimento ou empresa.
Ora, é essa mesma decisão do STJ que, na sequência de uma acção entretanto intentada contra o Estado, nas Varas Cíveis de Lisboa, pelos trabalhadores despedidos, conduziu a uma recente e mesmo humilhante – objecto do Comunicado de Imprensa nº 96/15, de 9/9, do Tribunal de Justiça da União Europeia mas até agora hábil e criteriosamente escondida no nosso país! – condenação do Estado Português por parte do mesmo Tribunal de Justiça (pelo Acórdão de 9/9/2015 do Processo C-160/14 – Ferreira da Silva e Brito e outros/Estado Português), e exactamente por essa dupla e ostensiva violação do Direito Comunitário cometida pelo STJ. Ou seja, violação da já referida Directiva, então em vigor, nº 77/187/CEE – mais tarde codificada pela Directiva 2001/23 – que precisamente impõe a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores cujas empresas, estabelecimentos ou partes deles sejam transmitidos, como sucedeu com a retomada pela TAP dos equipamentos, licenças e instalações da Air Atlantis, prosseguindo a actividade anteriormente exercida por esta; e violação também do art.º 267.º, 3.º parágrafo, do Tratado da União Europeia (TFUE) que impunha, e impõe, ao STJ português, como instância jurisdicional nacional máxima, a obrigação – que ele clara, ostensiva e mesmo arrogantemente incumpriu – de remeter ao Tribunal de Justiça o pedido de decisão prejudicial acerca do conceito de “transferência de estabelecimento” na acepção do art.º 1.º, n.º 1 da já referida Directiva n.º 2001/23.
Está assim agora aberta, por virtude de uma decisão do STJ flagrantemente ilegal e lesiva dos direitos dos trabalhadores, a porta a uma condenação do Estado Português no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais por aqueles sofridos.
E assim “lá vamos cantando e rindo” com uma jurisprudência laboral como esta…
Advogado