Procurador suspeito de corrupção fica em prisão preventiva

Orlando Figueira foi ouvido esta quinta-feira por uma juíza durante várias horas. Em causa está o facto de ter arquivado processo em que vice-presidente de Angola era investigado

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Pedro Cunha/Arquivo

O procurador Orlando Figueira, suspeito de corrupção passiva agravada, branqueamento de capitais e falsidade informática, ficou em prisão preventiva. A decisão foi tomada esta quinta-feira à noite pela juíza de instrução Maria Antónia Andrade, que concordou com o pedido feito pelo Ministério Público, para que fosse decretada a medida de coacção mais gravosa. 

A juíza justificou a decisão com o facto de existir perigo de fuga e de perturbação da investigação, considerando ainda que só a prisão preventiva era capaz de responder ao alarme social que se criou com este caso de corrupção, que envolve o vice-presidente angolano, Manuel Vicente. À saída do tribunal de instrução criminal de Lisboa, o advogado do procurador, Paulo Sá e Cunha, admitiu vir a recorrer da decisão, mas garantiu que ainda não tem uma decisão tomada. "Vou ter que analisar com calma a decisão", afirmou aos jornalistas.

O procurador de 54 anos - que se encontra de licença sem vencimento desde Setembro de 2012 - deverá ficar no Estabelecimento Prisional de Évora, uma cadeia que recebe pessoas que pelas funções que exerceram ficam sujeitas a medidas especiais de segurança e não são misturadas com a restante população prisional.

Os fundamentos que estiveram na base da prisão preventiva constam de uma nota emitida pelo tribunal e de uma outra divulgada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). "Após promoção do Ministério Público, a juíza decidiu aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, tendo fundamentado essa decisão na existência de perigo de fuga, de perigo de perturbação para a aquisição e manutenção da prova", lê-se na nota da PGR. O comunicado acrescenta que a magistrada "considerou, igualmente, que a não aplicação desta medida de coacção geraria alarme social". 

A nota do Ministério Público indica ainda que, neste momento, o processo possui três arguidos, esclarecendo que o vice-presidente angolano não integra este rol. "Neste momento, o inquérito tem três arguidos constituídos - uma pessoa colectiva e duas singulares - não se encontrando entre os mesmos Manuel Vicente", diz a procuradoria.

O advogado Paulo Blanco, que representou Manuel Vicente em vários processos, confirmou ter sido alvo de buscas e ter sido constituído arguido. O Ministério Público, diz o advogado, imputa-lhe o crime de corrupção activa, como co-autor, em parceria com Manuel Vicente. Os outros dois arguidos, segundo o Diário de Notícias, são o Banco Privado Atlântico, que foi um dos alvos das buscas realizadas esta terça-feira no âmbito da chamada operação Fizz, e uma responsável da Primagest, uma subsidiária da petrolífera angolana Sonangol, por onde passaram as transferências na ordem das centenas de milhares de euros que terão servido para pagar ao procurador Orlando Figueira.

Os investigadores suspeitam que as luvas terão sido pagas para o procurador arquivar, em Janeiro de 2012, uma investigação destinada a apurar a origem dos 3,8 milhões de euros pagos pelo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, por um apartamento de luxo no condomínio Estoril Sol Residence, em Cascais.

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Depois disso Orlando Figueira saiu do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, o mesmo departamento que conduz o inquérito que visa o procurador, para se tornar consultor do BCP Millenium, a cujos órgãos sociais pertenceu Manuel Vicente. A petrolífera estatal angolana Sonangol era na altura o maior accionista do banco. 

Dois procuradores, colegas de Orlando Figueira no DCIAP, consideraram anormal que o magistrado tenha autorizado a retirada de documentos que faziam parte do inquérito contra Manuel Vicente e entregue os mesmos ao visado, após arquivar a investigação.

Segundo explicou o advogado Paulo Blanco ao PÚBLICO, o próprio entregou ao Ministério Público, em nome de Manuel Vicente, várias declarações de rendimentos (da Sonangol, do Banco Africano de Investimento e do BCP, entre outras) com o objectivo de comprovar a natureza lícita do dinheiro usado para pagar o apartamento do Estoril Sol.

"Quando o caso foi arquivado, pedi, de acordo com a lei, a restituição desses documentos e nas buscas pediram-me cópias dos mesmos, que entreguei", afirmou Paulo Blanco na terça-feira passada, justificando o pedido com a protecção da vida privada de Manuel Vicente, que ficaria exposta a quem consultasse o processo. Indicou ainda que o facto de o despacho de arquivamento se tornar incompreensível sem esses documentos, para qual o despacho de Orlando Figueira remetia, levou o DCIAP ao seu escritório.

Contudo, dois procuradores colegas de Orlando Figueira garantiram não ser normal retirar documentos de um processo, sem deixar no mesmo pelo menos cópia dos mesmos. Os dois magistrados, ouvidos individualmente pelo PÚBLICO, explicam que mesmo que o processo estivesse disponível para consulta pública, tal não implicaria que todos os seus elementos estivessem acessíveis. “Quando os documentos estão protegidos por outros sigilos ou consideramos que se tratam de elementos da vida privada dos suspeitos estes são colocados num cofre ou num envelope fechado”, refere uma magistrada, que pediu para não ser identificada. “Pelo menos uma cópia tem que ficar sempre no processo”, insiste outro procurador, ainda a trabalhar no DCIAP. “Muito mais quando esses documentos serviram de base ao arquivamento do próprio processo”, continua o mesmo magistrado.  

O advogado José António Barreiros, com dezenas de anos de experiência em processos-crime, não se recorda de um único caso em que um procurador tenha restituído documentos de um processo, sem deixar pelo menos uma cópia nos autos. “Ou ficam com as cópias ou ficam com os originais”, insiste o advogado. “Recordo-me até de um caso em que o meu cliente precisava dos documentos para a actividade que desenvolvia e como o DCIAP não possuía meios para tirar as cópias fomos nós que tivemos que disponibilizar uma fotocopiadora”, conta José António Barreiros. Com Ana Henriques

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