Energias renováveis em 2030 – o papel dos cidadãos
É preciso estabelecer um enquadramento regulamentar e político que potencie a mudança necessária e não que funcione como um entrave.
Terminou recentemente uma consulta pública, promovida pela Comissão Europeia, com o intuito de preparar a próxima Diretiva sobre energias renováveis, que deverá ser aplicada entre 2020 e 2030.
No seguimento de uma decisão do Conselho Europeu em outubro de 2014, é proposto que, até 2030, da energia final consumida no espaço da União Europeia, pelo menos 27% seja proveniente de fontes renováveis. Sendo a meta para 2020 de 20%, não é possível afirmar que estejamos perante uma proposta ambiciosa. Para mais tendo em atenção o recentemente firmado Acordo de Paris, que tem subjacente a necessidade de se agir de forma decisiva sobre a redução dos gases com efeito de estufa, área onde as energias renováveis são reconhecidamente um trunfo.
A juntar à falta de ambição, há ainda que considerar a forte possibilidade de virmos a ter uma diretiva que prevê apenas uma meta para toda a UE, não contemplando a existência de metas nacionais obrigatórias nem de metas setoriais, o que levanta sérios problemas à sua aplicação eficaz.
Também o modelo de implementação no terreno merece uma ampla reflexão. Muito embora se vislumbre um relativo reconhecimento, por parte da Comissão Europeia, do papel das comunidades locais e das cooperativas de energias renováveis, é fundamental reforçá-lo.
O modelo onde o cidadão individualmente ou agindo coletivamente se envolve na produção de energia renovável tem um enorme potencial de efeitos multiplicadores, tais como: benefícios económicos para a comunidade, ligação mais próxima dos cidadãos ao tema da energia e do seu uso com efeitos na eficiência de utilização, replicação de projetos através do exemplo, etc.. O mesmo não acontece no modelo centralizado que é hoje dominante em todo o espaço da UE.
Mas para que este modelo de produção descentralizada possa ser potenciado é fundamental garantir o direito dos cidadãos a gerarem e consumirem a sua própria energia, um direito já reconhecido em Portugal, mas que é ainda negado em muitos países Europeus, o que sendo absurdo, não deixa de ser verdade (uma verdade que urge alterar). A simplificação dos procedimentos administrativos, a concessão de benefícios fiscais a projetos implementados por cooperativas e comunidades locais e a disponibilização de informação e formação sobre estes modelos alternativos, são outras das medidas que podem estimular este tipo de projetos. Para completar, o estabelecimento de metas de produção de energia renovável através de cooperativas de cidadãos (em complemento às metas nacionais estipuladas) poderia funcionar como um catalisador chave para o alargamento de um setor que conta já com mais de três mil cooperativas em toda a UE.
A confiança é um alicerce fundamental para a mudança. Perante os desafios que se colocam ao setor da energia na UE, a mudança é inevitável. Neste contexto, é imperativo que a próxima diretiva sobre energias renováveis estabeleça um enquadramento regulamentar e político que potencie a mudança necessária e não que funcione como um entrave.
Dar poder e espaço de intervenção aos cidadãos e estabelecer metas que possibilitem a construção de um quadro de ação estável, fiável e previsível são apenas dois dos aspetos fundamentais a ter em conta.
Membro da direcção da Coopérnico, a primeira cooperativa de energias renováveis em Portugal