Eutanásia, a escolha que não é escolha

A eutanásia deve ser vista como uma possibilidade de escolha, em que a pessoa se auto-determina sobre a mesma

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Shaun Best/Reuters

A Eutanásia é a prática pela qual determinado doente, possuidor de uma doença incurável, põe termo a sua vida de forma controlada e assistida.

Hoje em dia promove-se uma cultura de distanásia, em alguns casos injustificada para o quadro clínico da pessoa, sendo que hoje é a única forma, não sendo passível de escolha, que qualquer doente terminal tem.

Diferenciar eutanásia de suicído assistido é deveras um ponto fulcral, pois o sujeito da ação muda, visto que na eutanásia é um terceiro que provoca a morte do doente, sendo que na segunda se trata da própria pessoa com a ajuda e conivência de alguém.

A eutanásia deve ser vista como uma possibilidade de escolha, em que a pessoa se auto-determina sobre a mesma. A sociedade dos tempos de hoje tem diversos problemas em aceitar a “auto-determinação” que as pessoas têm em serem sujeitos e detentores das suas próprias decisões, quando isso é só implicante do seu corpo, e não de algo que fosse implicativo da parte pública. E a eutanásia é só mais um caso em como esta necessidade das pessoas quererem determinar-se por elas próprias, tal como uma testemunha de Jeová pode recusar-se livremente à não administração de sangue e hemoderivados, e isso não é punível criminalmente.

Trata-se acima de tudo de poder parar com o sofrimento contínuo da pessoa em fase terminal. Não é meramente a escolha pela morte, é a melhoria das condições atuais do processo de morte da pessoa, em que a própria decide que já não faz sentido o prolongamento da mesma.

Na óptica de qualquer profissional de saúde, alguns constatam que se torna contraditória a ideia da eutanásia, pois no exercício da prática das profissões ligadas à saúde estas comprometem-se com o acto de cuidar, individualizado e holístico, mas também promovem o respeito pela dignidade humana e pelo respeito do consentimento informado, o que acaba por não se traduzir. Em matéria de consentimento, a pessoa decide sobre o seu processo de saúde/doença, mas depois não se traduz nos seus actos, visto que se quiser por término à sua vida, não é legal.

No Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (EOE) está patente este sentimento contraditório, pois se por um lado existe “(…) a preocupação da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana (…)” (Artigo 78, nº1,EOE), por outro esta liberdade tão proclamada de livre arbítrio é condicionada. Ainda no EOE estão patentes mais contradições, como o “(…) respeito do direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital, assume o dever de: a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as circunstâncias; b) Respeitar a integridade bio-psicossocial, cultural e espiritual da pessoa;”(Artigo 82º, EOE)), mas na realidade não se cumpre à risca a integridade da pessoa, pois mais uma vez é ilegal, por mais que a pessoa tenha a sua decisão, livre e consentida.

Isto é quase uma engenhoca em que os profissionais enrolam o assunto, pois é como se fosse “dar com uma mão” e depois “tirar com outra”. Se num lado se promete “liberdade e dignidade” no outro diz-se que é ilegal que alguém queira tornar uma decisão perfeitamente exequível.

Um dos argumentos apresentados por muitos, que consideram que é contra a ética a prática da eutanásia, é que hoje em dia possuímos uma rede de cuidados paliativos muito deficitária, sendo que por isso as pessoas queiram que se desenvolva uma rede melhor de cuidados paliativos para que a pessoa possa frequentar um local em que a distanásia é reinante, e promover assim melhores condições na última etapa de vida. Mais uma vez, defendo que sim à ideia de que a melhoria dos cuidados paliativos é aprazível, mas em nada impede a ideia de tornar a eutanásia legal, pois há pessoas que mesmo que as condições dos paliativos melhorassem significativamente, não estariam dispostas a permanecer naquele sofrimento.

Confesso que a ideia do referendo não me deixa muito disposta a ideias positivas. Pois continuo a achar que é encabular um processo que poderia ser mais eficaz, se à partida se auto-determinasse por ele próprio. Não é uma decisão de escolha “pública”, ou que afecte a saúde pública, é individual e pessoal de cada um e deve ser discernível por cada.

É mais uma medida que mexe com o exercício de individualidade, mas que é mais uma vez condicionada pela sociedade. É pesar argumentos que não se traduzem na evolução da sociedade. Não se trata de querer adquirir nada, trata-se de dar dignidade, valorização, poupança das mentes daquelas pessoas que sentem que não à necessidade de manterem-se naquela agonia. Mas e fazer passar isto a sociedade pré-histórica que nós temos…

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