Pimenta Lopes, o novo biólogo do PCP em Bruxelas, desconfia do Parlamento de lá e do Governo de cá
Pediu uma “licença sem vencimento” do Fluviário de Mora, onde tinha um ordenado “mileurista”, para assumir em Bruxelas a “tarefa” confiada pelo PCP. A partir desta segunda-feira, Pimenta Lopes substitui a eurodeputada Inês Zuber, que rescindiu ao mandato para ser mãe, num Parlamento onde não existe licença de maternidade
Há decisões tomadas aos 18 anos que, vinte anos depois, talvez não se fizessem. João Pimenta Lopes graceja ao admiti-lo. A retrospectiva do momento de entrada na Universidade de Lisboa nada tem a ver com arrependimentos, mesmo porque a “afinidade com a natureza e o meio rural” faziam da Biologia a escolha mais “normal” do mundo. Mas o difícil mercado de trabalho para estes profissionais em Portugal não fica fora da equação.
Depois de um primeiro emprego no teleférico do Jardim Zoológico de Lisboa, mudou-se, em 2007, para o Fluviário de Mora, a cerca de 100 quilómetros de casa. Em Fevereiro de 2015, o biólogo de 35 anos trocou o Alentejo por Bruxelas para integrar o secretariado político do Grupo Confederal da Esquerda Unitária em representação do Partido Comunista. Mas o passo maior inicia-o esta segunda-feira, dia 1, quando pela primeira vez se sentar no Parlamento Europeu (PE) como eurodeputado.
À chamada do partido, do qual é militante desde 2001, Pimenta Lopes deu um “sim” imediato, ainda que a “tarefa” seja desempenhada sem qualquer ambição de se transformar num “político profissional”. Tanto assim é que João não abdicou do vínculo com o Fluviário — um contrato sem termo e “mileurista” —, pediu apenas uma “licença sem vencimento” para exercer funções internacionais. Um dia, isso é certo, há-de voltar a Mora.
O novo rumo de Pimenta Lopes está ligado às opções da vida pessoal de Inês Zuber. Explique-se: grávida, a eurodeputada decidiu rescindir ao mandato no início do ano para ser mãe em Portugal, já que o PE não aplica licenças de maternidade e não permite a substituição temporária das grávidas. O caso motivou já a criação de um abaixo-assinado por parte dos comunistas, subscrito por todas as bancadas portuguesas, e vai além desta questão: “Incluímos também o caso de doença, por exemplo. Um eurodeputado nessa situação não tem direito a ser substituído”, explicou o substituto numa conversa telefónica com o P3.
Este será certamente um dos assuntos na agenda do eurodeputado para os próximos tempos. Além do abaixo-assinado, diferentes comissões estão a reunir-se para discutir o assunto e, em nome dos comunistas portugueses, foi já entregue a Martin Schulz, presidente do PE, um pedido de reunião “para avaliar que outros passos se poderão dar para colmatar esta deficiência”.
Não é a única lacuna identificada pelo novo eurodeputado numa Europa cheia de “contradições” e na qual pouco se revê. Ao lado dos comunistas Miguel Viegas e João Ferreira, curiosamente também biólogo de formação, vai sentar-se num parlamento que “tem permitido que as forças de extrema-direita, fascistas em alguns casos, ganhem visibilidade e dimensão”. O projecto europeu sonhado por ele não era bem este, que classifica de “belicista e direccionado para a intervenção e ingerência de estados soberanos”.
Esta temática será precisamente o alvo da primeira pergunta do eurodeputado. Naquela que devia ser a “casa da democracia europeia”, há-de estrear-se pedindo esclarecimentos sobre a actual situação da Líbia “e todo o quadro de pré-intervenção militar nesse país soberano”, conta o ex-bolseiro de investigação e um irrequieto aluno de várias outras áreas nas quais foi fazendo formações. Economia social é uma delas.
Este conhecimento diversificado e o facto de conhecer o mercado de trabalho por dentro são “ferramentas fundamentais para a intervenção política e ideológica” — ainda que João não se canse de repetir a importância e primazia do “colectivo” como força de actuação. Em breve, com uma delegação europeia, irá visitar a ilha de Lebos, na Grécia, actualmente uma das grandes portas de entrada de refugiados na Europa. As relações com a América Latina continuarão também a merecer atenção especial do biólogo. De resto, assumirá, a par dos restantes deputados do PCP, temas como o emprego (particularmente o jovem), as questões de género (aqui, os direitos dos pais também vão contar), as barreiras colocadas aos investigadores científicos, entre outros.
Filho de militantes comunistas, Pimenta Lopes cresceu com o partido dentro de casa. Foi essa a primeira aproximação ao PCP mas “não um factor determinante”. Os pais, talvez sabendo o que é lidar com um adolescente, abdicaram de “pressões” ou de “atestados de obrigatoriedade”. Quando o jovem da Amadora se decidiu pela intervenção política não teve dúvidas em bater à porta da Juventude Comunista Portuguesa. Estávamos em 1997.
A intervenção política foi-se acentuando a partir daí. Integrou o movimento associativo na faculdade, a Associação de Bolseiros de Investigação Científica, foi membro da organização regional de Évora do PCP e da Assembleia Municipal de Mora. Desde 2009, faz parte da direcção da Mútua dos Pescadores, a única cooperativa de seguros que intervém directamente sobre a pequena pesca.
Sobre a política nacional, adopta uma postura cautelosa. “Este não é um governo de esquerda”, refere peremptório. “Nem lhe chamaria um entendimento à esquerda, mas sim a identificação de uma base de princípios que exigiam resposta imediata.” Será, pelo menos, um avanço nas relações à esquerda? Também não: “É um avanço na defesa e recuperação de alguns direitos dos trabalhadores atacados pela troika e pelos governos dos últimos 40 anos.” Sobre o que ficou acordado entre socialistas e as outras três forças “a história falará”. “Cá estaremos para ver como os compromissos serão assumidos”.