Nunca fui filha única: quando nasci, os meus pais já o eram, e depois de mim vieram ainda mais três filhos, pelo que é uma experiência que nunca vivi e que, em boa verdade, não me fez (pelo menos conscientemente) falta. Por essa razão, não posso nem vou estabelecer uma comparação entre filhos únicos e irmãos, mas numa era em que a procriação está, por razões económicas, emocionais ou por opções de vida, em crise, acredito que ter irmãos é, ainda mais, um privilégio.
Durante uma grande parte da vida, normalmente associada à ainda ausência de maturação emocional, os irmãos são um dado adquirido e tidos como certos — a condição inalterável de uma existência: são como uma perna ou um braço que fazem parte de nós, sem que lhes dediquemos muito tempo de pensamento activo nem os encaremos como algo digno de agradecimento.
No entanto, com o passar dos anos acaba por chegar-se invariavelmente a uma fase em que se valorizam mais e mais intensamente as coisas importantes da vida. Assim, assemelhando-se ao início, quando a socialização estava restringida à família — antes da chegada à escolaridade —, os irmãos voltam a ser os melhores amigos, integrando novamente o grupo das pessoas com quem se fazem planos e partilham os momentos relevantes. Reduzidas as diferenças de idade à sua relativa significância na idade adulta, é fácil perceber que são eles as pessoas mais próximas, resultado, sobretudo, de um tipo de amor vinculativo e inquestionável.
Há algo de inexplicável nisto de ter alguém semelhante a nós, filho dos mesmos pais, que vive na mesma casa, com quem dividimos amigos, interesses e histórias. As bulhas infantis dão, gradualmente, lugar a um entendimento harmonioso, pautado, claro, por zangas pontuais, mas caracterizado por uma existência comum agora escolhida e já não marcada por uma coabitação inevitável.
Educados com base nas mesmas crenças, nos mesmos valores e nos mesmos princípios e sendo os mais antigos conhecedores das nossas vivências, reacções e, mesmo, das pessoas com que nos fomos cruzando, são os irmãos que, no final, estarão lá para partilhar a dor da perda dos familiares mais velhos, para as celebrações em família, para acarinhar os familiares futuros e, sem papas na língua, para continuar a repreender e a aconselhar sempre que for necessário. Partindo de uma análise à minha vasta experiência na área, posso assegurar que um irmão é a melhor prenda que os pais podem dar a um filho.