No próximo ano vão ser eleitos dois novos presidentes

Governo pôs em marcha operação que envolve um ministro e dez secretários de Estado para avançar com descentralização em 2017. Em causa está uma “reforma administrativa profunda”, que, entre outras medidas, vai implicar a eleição directa dos líderes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.

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Não há Governo que não inscreva na primeira lista das suas prioridades a descentralização e desconcentração dos poderes e das estruturas do Estado e o de António Costa não fugiu à regra. Se as suas promessas, inscritas no programa de Governo e detalhadas há poucos dias pelo seu ministro-adjunto, Eduardo Cabrita, forem avante, vai haver um forte abalo na organização do Estado. Pela primeira vez, 4,5 milhões de portugueses que habitam nas áreas metropolitanas (AM) de Lisboa e do Porto vão eleger um presidente por voto directo; o Governo vai deixar de indicar o presidente das cinco comissões de coordenação regional (CCDR), cedendo aos autarcas o direito de o eleger. E para coroar esta “reforma administrativa profunda”, nas palavras de Eduardo Cabrita, o Governo promete lançar um programa de descentralização de competências e admite até que algumas direcções regionais dos ministérios passem para a égide das comissões de coordenação.

Se António Costa era há dez anos um ardente defensor do reforço dos poderes local e regional – foi o mentor do PRACE, que o ex-primeiro ministro José Sócrates anunciou como “a maior reestruturação da Administração Pública desde o 25 de Abril” -, a experiência como presidente de Câmara de Lisboa reforçou essa convicção. Adaptando uma velha máxima do socialista João Cravinho, Costa acredita que a descentralização é a “base da reforma do Estado”. Mas entre a crença e a realização vai uma longa distância. Nos últimos 15 anos, todos os programas de descentralização ficaram na gaveta. Desta vez, o Governo garante que o processo é para andar. Eduardo Cabrita vai ser o responsável pelo plano de execução.

“Vamos fazer um movimento a dois tempos: o primeiro até às eleições autárquicas de Outubro de 2017, e o segundo depois dessas eleições”, diz Cabrita. Neste ano, “haverá preparação do quadro legislativo, as adaptações orgânicas e a avaliação de recursos humanos, financeiros ou informáticos”, uma tarefa que envolve as autarquias e dez ministérios, nos quais haverá um secretário de Estado incumbido de gerir o processo. A legislação será aprovada até ao primeiro trimestre de 2017 e, pela primeira vez, nas eleições autárquicas desse ano, os cidadãos dos dois principais conglomerados urbanos do país vão a votos para escolher ao mesmo tempo os presidentes dos seus municípios e os presidentes das AM. Acto contínuo, a nova fornada de autarcas escolherá os presidentes das CCDR. E o Orçamento do Estado de 2018 já vai incorporar essas mudanças, acredita o ministro-adjunto.   

À partida, o contexto político parece favorecer os planos do Governo. O PCP e o Bloco são partidos que defendem a descentralização – o PCP é até o mais constante apologista da regionalização. E se na cúpula o PSD pode olhar para as propostas do Governo com cepticismo, as suas bases estão sem hesitação ao lado do combate contra o centralismo. Resta o CDS que, pela voz de Telmo Correia, veio lembrar que o que está em causa é a “criação de órgãos políticos” que, de “forma encapotada e de mansinho” constitui o primeiro passo da regionalização que os portugueses derrotaram em referendo em Novembro de 1998. O ministro nega: “A regionalização não está na agenda. É um objectivo de longo prazo, não é manifestamente tema para esta legislatura”. Para que serve então a reforma em curso? Para gerir “com maior eficácia e qualidade recursos por natureza limitados”, diz Eduardo Cabrita.  

Fora dos partidos, uma grande parte da comunidade académica que estuda o território e o desenvolvimento territorial, os autarcas ou os empresários dispersos pelo país subscrevem, ou, pelo menos, não vetam o plano do Governo. “O assunto merece ser estudado”, admite Luís Ramos, professor da Universidade de Trás-os-Montes e actual deputado do PSD, que não deixa no entanto de notar muitas incertezas e riscos no horizonte. Afinal, as CCDR, os municípios e as AM já trabalham em conjunto desde o princípio dos anos 90 e, pelo meio, o Governo de Durão Barroso ainda criou as Comunidades Intermunicipais (CIM), que actualmente são a base da programação do actual ciclo de fundos estruturais. Um reforço de competências e da legitimidade política de alguns destes órgãos vai forçar um novo quadro de relação entre eles que poderá gerar turbulência.  

O principal objectivo dos planos do Governo tem por base o “princípio da subsidiariedade”, segundo o qual o que puder ser decidido a nível local não deve ser assumido pela administração central. Ao contrário do que acontece nos países europeus, as políticas executadas no território incorporam pouca decisão regional. As AM limitam-se a gerir redes (transportes, água, energia, resíduos) ou a concertar políticas municipais à escala metropolitana. As CCDR, outrora fortes pólos de produção de políticas regionais, “transformaram-se em estruturas menores e burocratizadas, resumidas à gestão dos fundos estruturais”, como reconhece Eduardo Cabrita. E as 25 CIM do país, que resultam das associações de municípios, têm um quadro de competências reduzido. “Actualmente, há um grande consenso: o modelo actual não é nada”, explica Cabrita.

Apesar de haver ainda muitas decisões em aberto, o plano de descentralização do Governo é o mais ambicioso desde que a Regionalização ficou congelada após o referendo de 1998. Teresa Marques congratula-se dizendo que “o território está na moda”. Feitas as declarações de princípios, falta o essencial. Retirar poder aos ministérios e transformar as AM numa nova autarquia, deixando as CCDR e as CIM num plano inferior de legitimidade política, vai abrir uma nova frente de diálogo e de contestação.

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