Sem Trump há menos espectáculo e mais política, mas ninguém sabe se isso é bom

Debate decisivo antes de votação no estado do Iowa deu novo fôlego a candidatos em dificuldade, como Jeb Bush. Mas a sombra de Donald Trump pairou sobre o palco.

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A ausência de Trump deu a Bush espaço para se mostrar mais à vontade, algo que lhe tem faltado na campanha. Scott Olson/AFP

O último debate entre os aspirantes a candidatos à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano antes do tiro de partida para o longo processo eleitoral, que arranca segunda-feira no estado do Iowa, foi travado esta madrugada como uma daquelas corridas em que o líder destacado tropeça na última curva e os dois atletas atrás se vêem inesperadamente com medalhas de ouro e prata nas mãos. A ausência voluntária de Donald Trump pode não prejudicá-lo a curto, médio, ou longo prazo, mas pelo menos durante duas breves horas, Ted Cruz, Marco Rubio e Jeb Bush tentaram surgir aos olhos dos eleitores como se fossem os únicos capazes de impedir o Partido Democrata de continuar na Casa Branca.

É muito cedo para saber se a estratégia de Donald Trump vai ajudar ou prejudicar a sua candidatura – ou, o que é mais provável, se não vai fazer nem uma coisa nem outra. Mas uma coisa é certa: ao anunciar que não iria estar presente no debate organizado pela estação conservadora Fox News, com o argumento de que não estava disposto a aturar as perguntas “tendenciosas” da moderadora Megyn Kelly, Trump permitiu que até o esquecido Jeb Bush voltasse a respirar, sem ter ao seu lado o magnata do imobiliário e estrela da televisão a mandá-lo calar de cinco em cinco minutos e a dizer-lhe que lhe falta energia.

Sem surpresas, o debate arrancou com uma pergunta da moderadora Megyn Kelly sobre “o elefante que não está na sala”, o que ajudou o senador Ted Cruz (o 2.º nas sondagens, atrás de Trump) a abrir com um banho de gargalhadas e aplausos.

“Eu sou doido, e todos os que estão neste palco são estúpidos, gordos e feios. E tu, Ben (Carson), és um péssimo cirurgião”, disse Cruz, olhando para os restantes seis candidatos que o ladeavam, numa imitação de Donald Trump. “Agora que pusemos de lado o segmento Donald Trump, quero agradecer a todos os que estão aqui por terem comparecido, e por terem mostrado que respeitam os homens e as mulheres do Iowa.”

Na verdade, o elefante a que a moderada se referiu assemelhava-se mais a uma espécie de gato que estava simultaneamente ausente e presente, e que apenas revelará o seu verdadeiro estado na segunda-feira à noite, quando for medida a vontade dos eleitores do estado do Iowa – Trump estava, fisicamente, a cinco quilómetros do Centro de Espectáculos de Des Moines, num evento de angariação de fundos para os veteranos de guerra, mas a sua sombra pairou sempre sobre os restantes candidatos.

“Eu gosto do Trump. É um tipo divertido, é o maior espetáculo do mundo”, disse o senador Marco Rubio, que tem surgido nas sondagens em 3.º lugar, atrás de Trump e Cruz. Também Jeb Bush tratou de arrumar a questão de forma divertida e condescendente, ao mesmo tempo que lembrou que durante muito tempo esteve isolado nas críticas ao magnata: “Até sinto a falta do Donald Trump. Ele era um ursinho de peluche para mim. Toda a gente estava no programa de protecção de testemunhas quando eu comecei a atirar-me a ele.”

A gigantesca sombra de Trump foi-se notando em pequenos comentários – era como se o mauzão da escola tivesse ficado em casa, com febre, e o resto dos colegas aproveitassem o dia para se vingarem com comentários jocosos sem que ele pudesse ouvir.

Mas, no essencial, o debate centrou-se em discussões substanciais sobre políticas para o país, da economia à política externa, passando pela imigração, escutas da NSA e racismo. Na ausência de Donald Trump, foram os senadores Ted Cruz e Marco Rubio quem suportaram a maioria das perguntas difíceis, o que provocou alguns momentos potencialmente embaraçosos.

Tal como aconteceu no primeiro debate entre os candidatos do Partido Republicano, realizado em Agosto, os moderadores da Fox News voltaram a estar vários patamares acima da concorrência, o que pode parecer estranho quando é sabido que o grupo é visto como uma espécie de braço mediático do Partido Republicano – foi nesse debate, em Agosto, que Megyn Kelly enfureceu Donald Trump ao confrontá-lo com alguns dos seus comentários depreciativos sobre as mulheres, provocando uma guerra entre os dois que culminou com o boicote do magnata ao debate da noite de quinta-feira (madrugada de sexta em Portugal).

Novos fôlegos
Desta vez, no Iowa, os moderadores da Fox tinham uma surpresa preparada para Ted Cruz e Marco Rubio (o primeiro nascido no Canadá, filho de um cubano e de uma norte-americana, e o segundo nascido nos EUA, filho de pai e mãe cubanos), sobre as suas posições quanto à imigração. Num ecrã gigante, um e outro foram confrontados com declarações contraditórias em relação às leis mais tolerantes que defendiam há uns anos e às posições mais duras que dizem defender agora.

A oportunidade foi aproveitada por Rand Paul, um dos candidatos menos bem posicionados nas sondagens, mas de quem se dizia há dois anos que poderia vir a ser o rosto perfeito de um novo Partido Republicano, devido às suas posições liberais em termos sociais. E o principal alvo foi Ted Cruz, o candidato mais popular nas sondagens à falta de Donald Trump: “Eu estive lá e assisti ao debate. Ouvi o Ted Cruz a dizer ‘vamos tirar a cidadania de cima da mesa, e assim a lei pode passar, eu aprovarei a lei. Mas essa lei admitia a legalização. Ele não pode ter as duas coisas. Mas o que é particularmente insultuoso é que ele está sempre a dizer que os outros é que são a favor de uma amnistia [para os imigrantes]. Toda a gente é a favor da amnistia à excepção do Ted Cruz. Mas é tudo uma falsidade, e isso é um problema de autenticidade - ninguém que ele conhece é tão perfeito como ele porque nós somos todos a favor da amnistia”, ironizou Paul.

Para além de Rand Paul, um outro candidato a aproveitar a ausência de Trump para se destacar foi Jeb Bush, que bem precisava de uma oportunidade destas. Apesar de uma ou outra piada sobre Donald Trump, o homem que já foi dado como o inevitável nomeado, e que agora luta para chegar aos dois dígitos nas sondagens, insistiu na ideia de que é o melhor candidato para derrotar Hillary Clinton, se a antiga secretária de Estado obtiver a nomeação no Partido Democrata.

A ausência de Trump foi a válvula de escape de que Jeb Bush tanto necessitava para se aproximar da imagem de um candidato um pouco mais espontâneo, o que se notou quando aceitou, sem complexos, o facto de lhe colarem o rótulo de candidato do establishment: “Eu sou o establishment porque o meu pai, que é o melhor homem vivo, foi Presidente dos Estados Unidos, e porque o meu irmão, que eu adoro, também foi Presidente. Tudo bem, aceito isso sem problemas. Acho que também sou do establishment porque a minha mãe é a Barbara Bush. Óptimo, também aceito isso sem problemas.” Mas a mensagem que Bush queria mesmo passar ainda estava a caminho: “Esta eleição não é sobre a minha família, é sobre as pessoas que estão a sofrer. Precisamos de um líder que arranje soluções e que tenha provas dadas. E precisamos de alguém que enfrente a Hillary Clinton em Novembro.”

Quem passou à margem deste debate foram o antigo neurocirurgião Ben Carson (que já rivalizou com Trump no topo das sondagens, mas que tem descido semana após semana) e o governador de Nova Jérsia, Chris Christie – o primeiro teve poucas oportunidades para responder a questões relevantes, e quando as conseguiu parecia um corpo estranho no palco; e o segundo esforçou-se em demasia por despachar as perguntas dos moderadores e lançar ataques por tudo e por nada a Hillary Clinton.

O primeiro teste é já na segunda-feira, no estado do Iowa. Mas essa eleição é muito mais importante para candidatos como Donald Trump, Ted Cruz e Marco Rubio do que para Jeb Bush – se algum dos primeiros tiver um resultado catastrófico, o seu futuro poderá ficar seriamente comprometido, mas os milhões angariados por Bush dão-lhe almofada suficiente para alimentar o sonho de uma campanha em crescendo.

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