Descobertas na Madeira e nos Açores cinco espécies extintas no século XV
Há mais de 500 anos, seria provável avistar estas aves a caminhar na floresta de Laurissilva, em três ilhas dos Açores e duas da Madeira. Os vestígios paleontológicos estão a ajudar a reconstituir a diversidade natural dos arquipélagos.
Quando foi descoberta pelos portugueses, por volta de 1427, a ilha do Pico, nos Açores, seria diferente: uma vegetação mais luxuriante, sem casas nem muros de pedra que guardam a vinha, com mais espécies animais. Na floresta de Laurissilva poderia encontrar-se o frango-d’água-do-pico, uma pequena ave que habitaria principalmente o solo. No entanto, os ratos-pretos e os ratinhos que viajaram nas caravelas e nas naus portuguesas, e que chegaram àquela ilha, terão provavelmente levado aquela espécie à extinção.
Tal como aconteceu em Madagáscar ou na Nova Zelândia, parte da fauna original dos Açores e da Madeira foi extinta quando os humanos chegaram lá. Um caso agora descoberto é o das cinco espécies de frangos-d’água que existiam na ilha do Pico, de São Miguel e de São Jorge, nos Açores, e nas ilhas de Porto Santo e da Madeira.
Uma equipa internacional estudou ossos encontrados naquelas ilhas, que permitiram descrever cinco espécies extintas há mais de 500 anos, segundo um artigo publicado agora na revista científica Zootaxa. Passo a passo, a paleontologia está a permitir a reconstituição da fauna natural que existia naqueles dois arquipélagos.
A equipa liderada por Josep Antoni Alcover, do Instituto Mediterrânico de Estudos Avançados, em Maiorca, Espanha, pensa que as cinco espécies do género Rallus evoluíram a partir do frango-d’água que ainda existe no continente europeu (Rallus aquaticus), incluindo em Portugal.
O Rallus aquaticus tem 23 a 28 centímetros de comprimento e 38 a 45 centímetros de envergadura de asas, habitando no litoral português em zonas de caniçais com água abundante. Mas esconde-se no meio da vegetação, por isso é difícil observá-lo. A sua plumagem é castanha na parte de cima do corpo e nas asas, e azulada por baixo, e tem um bico vermelho distintivo e patas também avermelhadas.
O frango-d’água é uma ave migratória que pertence à família das Rallidae — grupo muito conhecido por ter colonizado, ao longo da evolução, as ilhas da Terra. Pensa-se que cerca de 2000 espécies de Rallidae endémicas de ilhas já foram extintas com a chegada do homem. Ainda há espécies endémicas “nalgumas ilhas remotas da Terra (como nas Galápagos, em Guam, em Okinawa, na Inacessível, na Nova Zelândia, em Henderson, em Lord Howe), mas estes são os raros sobreviventes de uma linhagem com um passado muito mais diverso”, lê-se no artigo científico.
A diferenciação de novas espécies de aves depende da distância entre as ilhas e o continente, de onde vem a população original. “Os frangos-d’água continentais também se encontram em muitas ilhas que ficam perto do continente. Nestas ilhas não se originam espécies endémicas porque não há uma interrupção do fluxo genético com as populações do continente de onde as aves são provenientes. Só nas ilhas mais distantes — como é o caso da Madeira e dos Açores — é que há condições de isolamento para que ocorra uma evolução insular, que dá origem a novas espécies”, explica ao PÚBLICO Josep Antoni Alcover. Por exemplo, no arquipélago das Galápagos, a diferenciação de espécies de aves está a acontecer ainda hoje.
Quando o famoso naturalista inglês Charles Darwin, pai da teoria da evolução por selecção natural, chegou aos Açores em 1826, no regresso da sua viagem no navio Beagle, depois de já ter estado nas Galápagos, não pôde observar ali o resultado da evolução no género Rallus. No caso dos frangos-d’água extintos, o tempo em que estiveram naquelas ilhas tornou-as mais pequenas do que a espécie original e, em muitos casos, tirou-lhes a capacidade de voar.
“Não se sabe a razão para ter havido uma redução do tamanho do corpo. Seguramente está relacionada com os recursos na ilha”, diz Josep Antoni Alcover, acrescentando que as aves deveriam alimentar-se de pequenos invertebrados. “A perda de capacidade de voar relaciona-se com a ausência de predadores terrestres (mamíferos carnívoros). O voo é uma actividade fisiologicamente muito custosa. Voar é muito útil para fugir de predadores. Normalmente, muitas espécies que evoluíram nas ilhas sem mamíferos predadores perdem a capacidade de voar.”
Das cinco aves, as espécies mais pequeninas eram a Rallus minutus, da ilha de São Jorge, e que era robusta e tinha as patas pequenas, e a Rallus carvaoensis, da ilha de São Miguel, que tinha as patas maiores e um bico mais curvado. Estas duas espécies já não voavam, tal como a espécie que habitava a ilha da Madeira, a Rallus lowei, relativamente pequena e com um corpo bastante robusto.
É a análise dos ossos que permite inferir se as aves voavam. “O osso esterno das espécies não voadoras tem uma quilha [saliência óssea nas aves em forma de quilha dos navios] muito reduzida. Além disso, os ossos das asas são proporcionalmente mais pequenos do que os do corpo e das patas”, explica o investigador.
Tanto o frango-d’água-do-pico, cujo tamanho se aproximava da espécie do continente, como o do Porto Santo (Rallus adolfocaesaris) ainda retinham alguma capacidade de voar.
As cinco aves viveriam no chão, talvez na floresta de Laurissilva, típica daquelas ilhas, o que as tornou um alvo fácil. “A causa mais provável de extinção é a introdução do rato-preto (Rattus rattus) e do ratinho (Mus musculus) pelos humanos. Estas espécies de aves faziam os ninhos na terra, e os seus ovos e os pintos deviam ser muito vulneráveis [aos mamíferos]”, diz o cientista. Assim que os mamíferos chegaram às ilhas, “a extinção deve ter sido muito rápida, entre alguns anos e algumas décadas”.
Nenhum osso estudado pela equipa — que inclui Fernando Pereira, da Universidade dos Açores — tem mais de 10.000 anos. Por isso, não se sabe quando é que estas espécies surgiram na evolução. A maioria dos ossos nem sequer teve tempo de fossilizar.
Os vestígios mais recentes são da espécie da ilha do Pico, datando de entre 1404 e 1450. “A data mais recente sobrepõe-se com o momento da colonização portuguesa, e mostra que há uma sobreposição temporal entre a espécie e os humanos. Provavelmente, [estes ossos] são muito perto da altura da extinção desta espécie”, lê-se no artigo.
Embora a chegada dos portugueses aos Açores tenha sido decisiva para o desaparecimento das três espécies de Rallus, para a Madeira não há tantas certezas. Em 2014, um artigo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, que Josep Antoni Alcover também assina, relatava a existência de vestígios de ratinhos com cerca de mil anos na ilha da Madeira. Segundo o artigo, a hipótese mais provável para a origem daqueles ratinhos foi a passagem dos Vikings pela Madeira. “É possível que a espécie da Madeira e talvez a de Porto Santo se tenham extinguido antes [da chegada] dos portugueses”, diz o cientista.
Em relação às espécies de Rallus, Josep Antoni Alcover não conhece documentos históricos. O cientista está agora a trabalhar na descrição de mais nove espécies e haverá ainda outras “por descobrir”, refere. Aos poucos, está-se assim a recuperar a história natural perdida das ilhas portuguesas.