A experiência nazi em Espanha, um ano depois de Guernica
Documentário espanhol recua a Maio de 1938 e mostra como as autoridades nazis se serviram de quatro pequenas localidades espanholas para testar o seu mais recente avião bombardeiro, conhecido como Stuka.
“Eram mais ou menos 7 horas. Acordei e fui para a quinta trabalhar. Durante a viagem, apareceram três aviões. Voavam em formação. Vieram em direcção a mim e, como nunca tinha havido nenhum incidente, não tive medo. Tinha 15 anos na altura. Parei e observei-os. Depois, voaram em direcção à povoação e largaram aquelas três bombas. Nesse dia achei que era uma coisa estranha, mas pensei que o que caíra eram bombas reais. Caíram rapidamente.”
As palavras são de um dos entrevistados do documentário Experimento Stuka, que viveu na primeira pessoa o bombardeamento de Maio de 1938 que a Legião Condor – o corpo expedicionário que Hitler enviou para auxiliar Franco na luta contra os republicanos durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) – fez em quatro pequenas localidades espanholas.
Nunca ninguém soube o que motivou o ataque, um ano antes da guerra civil terminar, mas o documentário espanhol que está agora em fase de produção promete dar significado à inesperada tragédia que resultou na morte de 40 pessoas, baseado na investigação de Óscar Vives, um historiador da Universidade de Valência. Afinal, como Vives descobriu, em Maio de 1938 as localidades de Benassal, Albocàsser, Vilar de Canes e Ares del Maestrat foram cobaias de uma experiência dos responsáveis nazis: o objectivo era testar o mais recente avião bombardeiro alemão, o Junker 87, conhecido como Stuka. “Queriam saber quantas casas conseguiria destruir uma bomba de 500 kg e quantas pessoas conseguiria matar”, diz Vives num excerto do documentário disponível no site da produtora SUICAfilms.
Foi ao ler The Battle for Spain, do historiador britânico Antony Beevor, conta o jornal britânico The Telegraph, que Óscar Vives encontrou uma referência a Benassal. Decidiu então investigar e foi ao arquivo militar de Friburgo, na Alemanha. E lá encontrou a explicação. “É claro que olhando para os mapas da área no dia anterior ao do bombardeamento, as localidades eram apenas um jogo de tabuleiro com pequenas casas para destruir e pequenas figuras para serem eliminadas. Para os alemães era apenas um jogo”, continua o historiador no mesmo excerto.
Os documentos mostram todo o planeamento da operação das autoridades alemãs que, como Vives acrescenta, “estava especialmente documentada”. No arquivo, o historiador encontrou um relatório de 50 páginas, lê-se no diário espanhol El País. 66 fotografias aéreas mostram as quatro povoações com indicações dos alvos a abater. Numa altura em que os homens dessas localidades - que estavam sob a alçada dos republicanos - combatiam na guerra civil contra os franquistas, a maioria das vítimas foram mulheres e crianças.
Experimento Stuka recua na História para recuperar uma estória esquecida, com entrevistas a sobreviventes e familiares das vítimas (algumas ainda não identificadas nesta fase da produção), recriações dos bombardeamentos e recorrendo aos documentos alemães. “Entrevistámos vinte sobreviventes, testemunhos directos dos bombardeamentos. Naquele momento eram crianças. Viram morrer irmãos, familiares e vizinhos… Quando acabou a guerra, a ditadura enterrou o caso e nunca se procuraram responsáveis”, explica o realizador valenciano Rafa Molés ao jornal. “Aquelas crianças nunca tinham visto um avião na sua vida e praticamente não sabiam nada da guerra. Quando ouviram chegar os aviões saiu toda a gente para os ver. Alguns acharam que as bombas de 500 kg eram fardos de palha”.
O ataque às pacatas localidades, longe da frente de batalha, deu-se um ano depois do massacre de Guernica, que vitimou centenas de pessoas. “Em Guernica, Hitler provou o poder destrutivo da sua aviação de guerra. Em Castellón [província à qual pertencem as quatro localidades] experimentou uma arma absolutamente secreta. Nem sequer Franco o sabia”, diz o realizador ao mesmo jornal. Rafa Molés explica que Franco, depois do “escândalo” de Guernica, imortalizado pela pintura de Picasso, pediu à Legião Condor para não atacar civis e por isso Hitler optou por Benassal, Albocàsser, Vilar de Canes e Ares, “quatro povoações pequenas de Castellón, sem defesa, ignorantes ao que se passava. A Legião Condor nunca informou sobre que fez ali”.
O documentário ainda não tem data de estreia prevista.
Editado por Isabel Salema