Londres admite nada poder contra Putin, “provável” mandante da morte de Litvinenko
Para além das sanções em vigor, Governo de Cameron congelou bens dos dois homens que a investigação concluiu terem envenenado o ex-espião, que encontrara asilo no Reino Unido. Contra o Presidente russo nada será feito.
O aguardado inquérito público à morte de Alexander Litvinenko, em Londres, no final de 2006, concluiu que o envenenamento do antigo membro do KGB foi “provavelmente” aprovado pelo Presidente russo, Vladimir Putin. O gabinete do primeiro-ministro, David Cameron, descreveu as conclusões como “extremamente perturbadoras”.
Para a ministra do Interior, Theresa May, o assassínio de Litvinenko é "uma inaceitável" violação da lei internacional. Mas, num debate aceso no Parlamento, May admitiu que “em relação a um chefe de Estado” pouco mais há a fazer do que Cameron “levantar o assunto” com Putin “na próxima oportunidade”.
“A operação do Serviço de Segurança Federal [FSB, o novo nome do KGB] foi provavelmente aprovada pelo senhor Patruchev [Nikolai Patruchev, ex-chefe do FSB] e também pelo Presidente Putin”, disse o juiz presidente do inquérito, Robert Owen. O magistrado tem a certeza que foram dois outros ex-membros do KGB a envenenar Litvinenko: Andrei Lugovoi, hoje deputado de um partido nacionalista russo, e o agora empresário Dmitri Kovtun.
Litvinenko, que recebera asilo no Reino Unido em 2000, foi hospitalizado a 1 de Novembro de 2006, depois de beber chá com polónio-210, um elemento radioactivo raro e ao qual normalmente só os Estados têm acesso. Morreu no dia 23 desse mês, com 43 anos. A investigação policial à sua morte ainda está aberta.
Londres já pede a extradição de Lugovoi e de Kovtun desde 2007, altura em que expulsou vários membros dos serviços secretos russos. May anunciou que os seus bens no Reino Unido foram agora congelados e que pediu à Interpol para emitir mandados de captura em nome dos dois suspeitos. Questionada pela oposição sobre Patruchev, a ministra May lembrou que já estão em vigor sanções contra o actual secretário do Conselho de Segurança de Putin (bens congelados e proibição de viajar na União Europeia), impostas em resposta à anexação da Crimeia e à crise na Ucrânia, em 2014.
De resto, o embaixador russo será chamado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e May escreveu aos parceiros da NATO e da UE, “chamando a atenção para a necessidade de tomar medidas para impedir que assassínios destes sejam cometidos nas ruas”.
“Temos de aceitar que nada disso é uma surpresa. O inquérito confirma as avaliações de sucessivos governos que apontavam para que este fosse um acto promovido pelo Estado”, afirmou May.
A reacção russa também se podia adivinhar: o Ministério dos Negócios Estrangeiros referiu-se ao inquérito como uma tentativa de “demonizar a Rússia e a sua liderança”, sem que Moscovo nunca tivesse esperado que as conclusões fossem “objectivas e imparciais”.
“O Governo sabe disto desde 2007. Infelizmente, não temos alternativa a negociar com os russos quando estão em jogo vários interesses comuns”, afirmou à BBC Crispin Blunt, deputado do Partido Conservador, de Cameron, que dirige o Comité de Negócios Estrangeiros do Parlamento. “O mundo tem de interagir com ele [Putin]. Lidamos com parceiros desagradáveis em todo o mundo”, acrescentou Blunt. O fim da guerra na Síria “é um claro interesse comum dos dois Estados”, sublinhou.
Antagonismo pessoal
“As palavras que o meu marido proferiu antes de morrer, quando acusou Putin, foram provadas por um tribunal britânico”, congratulou-se Marina Litvinenko. A viúva, que como lembrou o juiz Owen teve de lutar em tribunal por este inquérito, exige que Londres “imponha sanções económicas e a proibição de viajar [para o Reino Unido] a todos os que foram mencionados, incluindo Putin”.
Litvinenko chegou a tenente-coronel no FSB, onde o seu último chefe foi Putin. Depois de deixar os serviços secretos, escreveu um livro onde acusava o FSB de estar por trás dos atentados contra blocos de apartamentos em várias cidades russas, ataques atribuídos a separatistas tchetchenos e usados, segundo Litvinenko, para justificar a segunda invasão da Tchetchénia, em 1999.
Para o juiz Owen, a colaboração de Litvinenko com os serviços secretos britânicos, mais as suas críticas ao FSB e a Putin, para além da proximidade a outros dissidentes russos, são possíveis motivos para o assassínio. Havia “sem dúvida uma dimensão pessoal no antagonismo” entre Litvinenko e Putin, concluiu. Na altura da sua morte, o ex-espião estaria a investigar o assassínio da jornalista Anna Politkovskaia, em Moscovo.
O juiz Owen ficou com poucas dúvidas: “Em termos gerais, estou convencido que membros da Administração Putin, incluindo o próprio Presidente e o FSB, tinham motivos para agir contra Litvinenko, e mesmo matá-lo, no final de 2006”.