O ataque dos clones
O regresso de Charlie Kaufman atrás da câmara é uma animação para adultos engenhosa mas estéril.
Toda a obra de Charlie Kaufman é uma anomalia no actual cinema americano – o trabalho do argumentista de Queres Ser John Malkovich? ou O Despertar da Mente é uma constante mise en abîme existencialista sobre o que faz de nós indivíduos num mundo que parece apostar no conformismo. Esse tema recorrente atinge o pico de cristalização em Anomalisa, segunda passagem de Kaufman atrás de câmara, sobre a crise de consciência de um especialista em “optimizar o serviço ao cliente”. Sem saber o que fazer da vida, Michael Stone percebe estar preso numa ratoeira que ele próprio criou, até ao momento em que, numa viagem de trabalho como as outras, encontra Lisa uma jovem que lhe parece abrir portas para mudar de vida. Uma anomalia como ele – uma Anomalisa.
História sobre o encontro de duas pessoas diferentes pelo meio de um mundo igual ao litro, Anomalisa poderia ser a narrativa mais “banal” da obra de Kaufman, não se desse o caso do filme ser inteiramente feito em animação stop-motion – com marionetas que são todas iguais, a que o mesmo actor, Tom Noonan, dá todas as vozes. Literalmente só Michael e Lisa têm voz própria – respectivamente David Thewlis e Jennifer Jason Leigh – pelo meio de um universo de clones que impõem o conformismo. Mas esse rasgo de inspiração que faz de Anomalisa digno sucessor dos anteriores guiões de Kaufman e da sua prévia realização (Sinédoque, Nova Iorque, 2008) é também a sua maior limitação. A meticulosa precisão da animação supervisionada por Duke Johnson apenas sublinha como a história promete ir mais fundo do que realmente vai. Muito rapidamente Anomalisa começa a chover no molhado, a andar às voltas sem sair do mesmo sítio – o que não deixa de ser conceptualmente muito Kaufmaniano, mas reduz o filme a uma experiência que talvez resultasse melhor em formato curto do que como uma longa-metragem.