Segue a fantochada
Fora a palração sem nexo dos debates, o que se discute, se alguma coisa se discute, é a personalidade e a vida de Marcelo Rebelo de Sousa.
A coisa mais curiosa desta eleição presidencial é que nenhum economista ou responsável pela economia ou pelas finanças concorreu. E nem sequer concorreu nenhum membro do governo desde Durão Barroso e Santana Lopes. Tudo se passa como se a loucura política que nos trouxe à crise e à miséria não tivesse existido, apagada da história por um zeloso velador da ortodoxia. A gente que opinava autoritariamente sobre a “austeridade” e anunciava uma receita infalível para a nossa “recuperação” tantas vezes se enganou que resolveu desistir. Agora, anda aí, cosida às paredes, e nos debates não se fala do estado lastimável de Portugal e a asneira ferve livremente. Este espectáculo de cobardia intelectual entristece e envergonha; e abriu caminho a uma inominável campanha.
Dos candidatos que realmente se apresentaram não há muito a dizer, se em boa verdade se deve dizer seja o que for:
Todos são “independentes”, mesmo o padre do PC que se dá ao luxo de uma ou outra discordância venial;
Todos, excepto Marcelo, querem “virar a página”, por outras palavras estabelecer o domínio da “esquerda”, que eles próprios não fazem ideia do que é e para o que serve;
Todos, se por acaso ganharem, querem ir abraçar e conviver com o povo, ou levar a rainha de Inglaterra à sopa dos pobres, ou “abrir” o palácio de Belém ao cidadão comum;
Todos juram que os portugueses são a maravilha fatal da nossa idade, como se pode ver por alguns laboratórios científicos e principalmente pelos jovens que trabalham no estrangeiro;
Todos nos garantem um futuro de consenso, estabilidade e alegria e todos se preparam para ajudar o bom António Costa, que nos salvou.
Fora a palração sem nexo dos debates, o que se discute, se alguma coisa se discute, é a personalidade e a vida de Marcelo Rebelo de Sousa, uma criatura interessante, mas que não merece dezenas de horas de televisão. Se alguém por aí chama a isto democracia, pode ter a certeza absoluta que está enganado. Isto é a espécie de fantochada com que as democracias normalmente morrem.