CDS-PP à procura de uma transição suave

Nuno Melo está a ser pressionado a avançar para a liderança.

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Miguel Manso
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Um dia teria de acontecer, resumiu um dirigente democrata-cristão que ouviu o anúncio de Paulo Portas. O dia foi segunda-feira, 28 de Dezembro, e desde então o CDS-PP está a tentar gerir a sucessão do líder. Com cautela e apelos à necessidade de travar qualquer luta fratricida interna. Mas também com apelos pessoais e públicos para que o eurodeputado Nuno Melo avance como candidato à liderança. Se isso vier a acontecer (e for eleito), o vice-presidente do partido, que é uma figura muito popular internamente, pode até vir a tomar o lugar de deputado no Parlamento.

O tempo de liderança no CDS-PP (16 anos) e o novo ciclo político que se abriu deram a Paulo Portas o argumento que precisava para deixar a presidência do partido. Mas, revelou o próprio, essa sucessão já estaria programada mesmo que a coligação PSD/CDS tivesse conseguido governar. A intenção já tinha sido comunicada ao líder do PSD, Passos Coelho: Portas não ficaria até ao fim de uma legislatura. Aí essa transição para um novo líder seria mais suavizada.

O novo ciclo político que se abriu com o governo PS apoiado pela esquerda precipitou a decisão de Portas de deixar a liderança. Seriam, na perspectiva do líder, pelo menos mais dois mandatos à frente do CDS, o que não seria “politicamente desejável”. Agora, o partido está preocupado com uma possível turbulência no processo de substituição.

Na reunião da comissão política nacional sucederam-se os apelos – incluindo do próprio presidente - para que se evite a instabilidade e fracturas no partido. Portas assegurou que a secretaria-geral terá um papel de absoluta isenção perante as candidaturas que se apresentem. Quem ouviu registou o plural usado na frase. Mas colocou responsabilidades ao seu sucessor ao traçar um cenário para o centro-direita: só poderá voltar ao poder com maioria absoluta de deputados. O que exige ao próximo líder e ao PSD “pedalar, inovar e crescer muito”, disse Portas aos jornalistas.

O processo de escolha do sucessor que se vai desenrolar pelo menos até Março – prazo muito longo para alguns dirigentes – pode culminar num único candidato forte e consensual. Essa possibilidade é querida por alguns dirigentes como forma de evitar rupturas internas. E esse nome é para muitos Nuno Melo, vice-presidente com o pelouro das relações institucionais.

O eurodeputado não tem mostrado vontade de avançar como candidato à liderança do partido, apesar de ser o dirigente mais popular no partido a seguir a Paulo Portas. Mas, ao que o PÚBLICO apurou, o dirigente está a ser pressionado para ser candidato.

Na sua página de Facebook são várias as mensagens de apelo para que venha a liderar o partido. Essa decisão será decisiva para que outras candidaturas avancem ou não. É o caso de Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura, também vice-presidente do partido, que dificilmente concorrerá contra um candidato forte e que muitos consideram ser o natural sucessor de Portas.

Um dos argumentos que poderiam afastar Nuno Melo da sucessão é o cumprimento do seu mandato em Bruxelas e a sua ausência do Parlamento, uma situação que muitos comparam negativamente à de Ribeiro e Castro quando foi líder do partido (2005-2007). Mas Nuno Melo, em teoria, pode assumir um lugar na bancada do CDS na Assembleia da República, já que integrou as listas de deputados por Braga, em lugar não elegível. Era preciso que os três nomes que estão à sua frente (entre os quais Telmo Correia) renunciassem ao cargo.

Segunda e terceira via
Caso Nuno Melo fique de fora da corrida, muitos centristas apontam para dois candidatos em oposição: Assunção Cristas e Pedro Mota Soares. Há quem admita a possibilidade de uma terceira via para moderar esta disputa e que passaria por Diogo Feio, vice-presidente, ou Nuno Magalhães, líder parlamentar. De qualquer forma, Nuno Magalhães pôs o lugar à disposição do futuro líder durante a comissão política de segunda-feira.

Os apelos à serenidade no partido acontecem numa altura em que cresce a contestação interna à decisão de Portas de abdicar de interpelar o primeiro-ministro nos debates quinzenais e ceder o lugar a seis deputados para intervirem rotativamente. Entre eles - Assunção Cristas, Cecília Meireles, Pedro Mota Soares, João Almeida, Telmo Correia e o próprio líder parlamentar Nuno Magalhães - estão possíveis candidatos à liderança.

Depois de Hélder Amaral, vice-presidente da bancada e membro da comissão executiva, ter criticado fortemente a decisão em declarações ao PÚBLICO, o porta-voz do partido Filipe Lobo d’Ávila engrossou a contestação. “Quem decide as lideranças do CDS são os seus militantes. Não são os seus Politburos. Não há herdeiros legítimos nem há uma qualquer short list deixada pelas lideranças cessantes. Terá que haver candidato, com vontade, projecto e equipa”, escreveu na sua página de Facebook.

Dirigentes ouvidos pelo PÚBLICO – e que não quiseram identificar-se – lembram que o próximo líder tem também de ter em conta a relação futura com o PSD. Portas fez questão de recusar aos jornalistas qualquer comparação entre a sua decisão e a de Passos Coelho, que foi a de se recandidatar à liderança do partido. Sem se pronunciar sobre a futura liderança do CDS, o presidente social-democrata reconheceu Portas como um “líder partidário carismático”, “competente” e que “prestou muitos serviços ao país”.

O elogio veio também de um rosto que foi crítico nos últimos anos. Filipe Anacoreta Correia, da corrente interna do CDS Alternativa e Responsabilidade, classificou a decisão de Portas como reflectindo “maturidade política”. Já Ribeiro e Castro condenou o timing da decisão. “Considero mal, não apoio a forma como o partido está a ser conduzido, mas creio que o presidente do partido tem a responsabilidade, a obrigação de conduzir o partido no ciclo político que já se iniciou, não pode virar costas e ir-se embora", afirmou o ex-líder à agência Lusa. Segundo o antigo deputado, o congresso já devia ter sido realizado no primeiro trimestre de 2015, a "tempo de se reflectir e tomar decisões que se projectariam no ciclo político" que está agora a ter início.

Entre os possíveis candidatos só João Almeida se auto-excluiu publicamente. Os que pretenderem entrar na corrida da sucessão terão de tomar uma decisão nas próximas semanas.

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