O rock está de luto: morreu Lemmy, dos Motörhead

Carismático, de atitude insolente eternamente jovem, era um ícone do rock. Tinha 70 anos.

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Lemmy em palco em Junho deste ano REUTERS/Dylan Martinez
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Lemmy, em palco, em 2013 Reuters
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Lemmy no Rock in Rio de 2010, em Lisboa Miguel Manso
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Lemmy no Rock in Rio de 2010, em Lisboa Miguel Manso
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Lemmy, no Coliseu dos Recreios, Lisboa, em 1999 Miguel Silva/Arquivo
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O fundador dos Motörhead morreu dia 28 de Dezembro, dois dias depois de lhe ter sido diagnosticado um tipo de cancro particularmente agressivo DR

O rock está de luto: morreu o inglês Lemmy Kilmister, líder, cantor e baixista dos Motörhead desde os anos 1970, também músico dos Hawkwind, e instituição do estilo de vida rock. Era uma lenda para os amantes das linguagens do rock mais pesado (heavy metal, hard rock), mas transcendia essa condição. Era o tipo de músico que mesmo para quem não se revia no heavy metal acabava por empatizar, devido ao seu carisma, à sua inconfundível voz rouca, à atitude de insolência eternamente jovem, à personificação dos excessos do rock e ao inseparável chapéu preto.

Tinha 70 anos, completados no dia 24 de Dezembro. A sua morte começou a ser avançada, de forma não oficial, depois da meia-noite desta terça-feira, acabando por ser confirmada na página oficial do Facebook da banda. O músico não resistiu a um cancro que lhe havia sido diagnosticado há apenas dois dias. De acordo com a nota dos Motörhead nas redes sociais, o músico terá morrido em casa rodeado da família, em Los Angeles.

Os restantes membros do grupo dizem não ter “palavras para expressar o seu choque e tristeza” e exortam os admiradores a ouvir, bem alto, por estes dias a música dos Motörhead e dos Hawkwind, em sua homenagem. “Bebam uma bebida ou mais. Partilhem histórias. Celebrem a vida desse homem amável e maravilhoso que a celebrou de forma tão vibrante”, pode ler-se.

Os últimos anos da sua vida foram marcados por várias complicações de saúde, decorrentes de diabetes e problemas de coração, tendo sido obrigado a cancelar vários concertos ou a abandonar o palco a meio de outros. Em Outubro do ano passado revelou que havia estado “próximo da morte” em 2013 quando foi submetido a uma cirurgia que envolveu um implante de um dispositivo electrónico regulador do batimento cardíaco. “Tive de cortar nos cigarros e na bebida”, disse à revista Kerrang, substituindo uísque - dizia beber uma garrafa de Jack Daniels por dia - por vinho, “mas tenho a certeza que vou morrer na estrada de uma forma ou de outra.”

Mal as notícias da sua morte começaram a circular, inúmeras figuras do rock, especialmente as mais conotadas com o metal, prestaram-lhe tributo nas redes sociais. Ozzy Osbourne escreveu no Twitter que havia perdido um dos seus melhores amigos: “Era um guerreiro e uma lenda.” Os Metallica reconheceram que ele havia sido uma das principais razões pelas quais a banda existe: "estamos eternamente agradecidos por toda a inspiração", escreveram. Por sua vez, o guitarrista Eddie Clarke, que integrou a formação mais conhecida dos Motörhead – na companhia de Lemmy e Phil Taylor, que morreu há dois meses – disse-se “devastado”, afirmando que ele era como um irmão. “O mundo parece um lugar verdadeiramente vazio neste momento”, escreveu.

O guitarrista dos Xutos & Pontapés, Zé Pedro, realça a "voz inconfundível”, a “maneira de tocar única” e a influência sobre  “uma enorme geração de músicos”. Apesar da música dos Xutos não ter sofrido “influência directa dos Motörhead ”, enaltece a “maneira do Lemmy estar na música” e o “som que fabricava”. Recorda ainda que outro membro dos Xutos - o guitarrista João Cabeleira - era fã dos Motörhead, o que motivou idas a Londres propositadas para os ver em palco. "Ele atribuiu um carisma muito grande à sua música, e que acabou por defender até ao final da sua vida”, conclui.

Ao longo dos anos, os Motörhead actuaram várias vezes em Portugal, a última das quais, em 2010, no Rock In Rio em Lisboa. Antes já tinham passado pelo festival Paredes de Coura de 2004, pelo Coliseu dos Recreios de Lisboa em 1999 ou pelo Pavilhão Infante de Sagres do Porto e Dramático de Cascais em 1998. Também tocaram na concentração motard de Faro em 2007, o que não espanta, dada a associação entre o visual de Lemmy, a sua forma de estar, e a iconografia associada aos motoqueiros.

De alguma forma é como se Lemmy incarnasse um certo estilo de vida do rock, o ideal romântico de se poder existir para sempre nos limites. Há várias frases da sua autoria que simbolizam que para ele o rock era uma questão de atitude. “Se achas que estás demasiado velho para o rock & roll, então, é porque estás!”, disse uma vez.

"Nós somos os Motörhead e tocamos rock & roll, ok?", era a sua frase habitual no início de muitos concertos, repetida nos últimos tempos com a convicção de sempre. Encarava os palcos como se fossem um campo de batalha, cabelos ao vento, verruga na face, o olhar perdido nos céus por causa da disposição do microfone, e uma atitude geral de desafio, como se fosse a incarnação do derradeiro guerreiro do rock.

Ian Fraser Kilmister, mais conhecido por Lemmy, nasceu em Burslem, Staffordshire, em Inglaterra, tendo entrado no universo da música na alvorada dos anos 1960 – chegou a ser roadie de Jimi Hendrix por um breve período de tempo, tendo tocado em várias bandas como os Rockin’ Vickers, Sam Gopal, Opal Butterfly e os Hawkwind.

Para os últimos entrou em 1971 aí permanecendo quatro anos, tocando baixo, mas também compondo e cantando algumas canções, como Silver Machine (1972), que chegou ao número 3 do top de vendas britânico, antes de ter sido convidado a sair em 1975, depois de ter ficado na prisão durante cinco dias no Canadá por posse de droga. Meses mais tarde, as tendências progressivas e os motivos psicadélicos e espaciais do rock segundo os Hawkwind foram esquecidos e nasceram os Motörhead, apostando em elementos mais primordiais.

A sua música enérgica, agressiva e rápida, o estilo rouco de cantar de Lemmy - que haveria de servir de modelo para o black, speed, death ou trash metal - e a forma contundente como tocava o seu baixo, como se fosse uma guitarra rítmica de quatro cordas, acabaram por influenciar sucessivas gerações, do punk ao metal.

Ao longo dos anos foi o seu líder, cantor e baixista, tendo a banda conhecido muitas formações. O grupo lançou 22 álbuns de estúdio, tendo-se estreado com um registo homónimo em 1977, mas acabaram por ficar conhecidos graças a álbuns como Overkill e Bomber, ambos de 1979, ou Ace of Spades (1980), de onde foi retirado o single do mesmo nome, naquela que é provavelmente a sua canção mais conhecida. O palco era o seu habitat natural, não surpreendendo que o álbum ao vivo No Sleep ‘Til Hammersmith (1981), tenha trepado pelos tops de vendas da Europa, chegando ao primeiro lugar em Inglaterra. 

Ao longo de quase quatro décadas de actividade venderam mais de 30 milhões de discos, embora Lemmy afirmasse em entrevistas que ganhou mais dinheiro por ter escrito o sucesso Mama i’m coming home (1991) de Ozzy Osbourne, do que por todo o catálogo dos Motörhead. O último álbum do grupo, Bad Magic, saiu em Agosto. Previa-se que continuassem em digressão até ao final de Janeiro. 

 

Com Beatriz Dias Coelho

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