Brasil para rir, pensar e desinquietar
O ano que se avizinha será fulcral para o Brasil. Ou sobrevive a tudo o que o sufoca ou será um caso sério.
De há uns tempos para cá, o Brasil parece mergulhado numa crise permanente. Política mas também económica, num complicado caldo de interesses de onde emerge a antiga e persistente ameaça da corrupção. Na política, os ânimos exaltam-se e explodem em cenas pouco edificantes, como as que recentemente vimos na Câmara de Deputados. Na economia, pelo contrário, os ânimos esfriam e as notícias soam a requiem pela prosperidade prometida há uns anos. Ainda ontem, no rescaldo natalício, o Globo titulava em letras gordas na internet: “Vendas dos shoppings no Natal foram as piores dos últimos 10 anos”. Desmoralização, descrença, descrédito. Uns procuram culpas no PT e nos seus esquemas de duvidosa legalidade e querem acelerar, com visível fúria, a impugnação de Dilma na Presidência; outros, vêem na oposição a Dilma, sobretudo no inimaginável Eduardo Cunha, a fonte de inúmeros males e desejam vê-lo preso.
Como se nada disto existisse, Dilma permanece (pelo menos até Abril de 2016) segura no Palácio do Planalto; e Eduardo Cunha, apesar de investigado por suspeitas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mantém-se, até aqui, intocável na presidência da Câmara de Deputados. Como exigir, então, uma “limpeza” eficaz em tal quadro? Os humoristas, como contamos nesta edição (ver págs. 24/25), sentem-se ultrapassados pela realidade, acham que ela é ainda mais absurda dos que as suas caricaturas, mas ainda assim insistem no humor como forma de lidar com o quotidiano brasileiro. Um deles, João Moreira Salles, diz que 2015 é um ano “para esquecer” mas aponta para 2016 como algo que não terá piada. “Sou muito optimista em relação ao que será o país dentro de cinco, dez anos”, diz ele a Kathleen Gomes, no Rio de Janeiro. “Mas vai piorar muito antes que melhore”. E este “piorar muito” assenta no pressuposto de que, mesmo que Dilma saia vitoriosa do processo que procura apeá-la do cargo, essa será sempre uma saída frágil. Será um processo de onde o Brasil “sai pior do que entra”. E isto pode resultar, para o país e para os seus aliados e parceiros, num doloroso tormento.
Curiosamente, e com o aproximar de 2016, voltou também à ribalta no Brasil o acordo ortográfico (AO), que tanta polémica gerou e ainda gera. O Jornal Nacional da Globo, que fez um trabalho dia 21 ouvindo opiniões contraditórias, terminou com uma pergunta ao professor Evanildo Bechara, um dos grandes promotores e entusiastas do AO. Vale a pena reproduzir, na íntegra, o diálogo entre o jornalista e o professor.
“J.N: Professor Bechara, como é que se escreve selfie, em português?
E.B: Por enquanto, é à moda inglesa. Agora, a dúvida é saber se é masculino ou feminino. Porque as duas formas se usam.
J.N.: O senhor poderia soletrar selfie?
E.B: S-e-l-f-i-e.
J.N.: Exatamente como inglês. Isso é português?
E.B: É português.”
Podemos, portanto, com acordo ou sem ele, dizer na mais vernácula expressão da língua de Camões e Machado de Assis que 2016 vai ser, para o Brasil, a very good year. E que que há-de ficar bem no auto-retrato, perdão, na selfie.