Doze recomendações para boa governação
Os ministros dividem-se em duas categorias, os que mudam e os que não mudam quando ascendem ao poder.
Já uma vez me dirigi aos amigos que foram para o governo. Recomendações morais básicas, então. O tempo recomenda que as actualize.
1. Cumprir os compromissos. O Governo só existe devido aos compromissos negociados à sua esquerda. Tem que cumprir os explícitos e deve negociar os que ficaram vagos. Sempre com espírito de cooperação, recusando ser capturado.
2. Promover o inventário da herança. Não se trata de culpar o passado, mas de divulgar a situação herdada em todas as suas consequências. Quantificar as dívidas, os compromissos herdados que o não vinculem, mas sempre que se queixe do custo da herança tem que apresentar soluções. Queixas sem propostas são queixinhas.
3. Escolher bem. Lealdade é diferente de fidelidade. Escolher os melhores, sejam quem forem, para executantes próximos. Só deve substituir antes do termo os que não se sintam bem com o novo poder. E não se queixe de captura pelos que se concitem para impedir a governação. Ninguém lhe perdoará tolerar a traição, o respeito inicial esvai-se.
4. Mudanças na orgânica. É natural que haja orientações para não promover mudanças orgânicas imediatas. Pode sempre prepará-las para serem lançadas no momento oportuno. Boas mudanças levam pelo menos seis meses até à mesa do conselho de ministros. Trocas orçamentalmente neutras são mais fáceis de aplicar, desde que a mudança seja para melhor.
5. Respeitar os serviços de linha. É o primeiro dever de qualquer ministro. Tendem a conhecer melhor o ministério que os que agora entram e a sua nova pequena corte. Quem está na linha tem a autoridade da experiência. Já basta o que aconteceu com o anterior governo, paralisado meses até começar a governar. Para quem não saiba como mudar, não há melhor alibi. Os ministros, além de desconfiados, são muitas vezes ignorantes.
6. Não inflacionar os gabinetes. Também aí pecou o anterior governo. Muitos dos assessores apenas serviram de varejeiras nas redes sociais, para desacreditar a oposição. Pagar a ignorância e a destruição com o dinheiro de todos não e bom governo.
7. Promessas sem continuidade. São rampa inclinada para o insucesso. Nenhum ministro deve prometer o que não pode cumprir. Se não sabe quanto vai custar a promessa, melhor será não a apresentar. Os media estão atentos a promessas, registam e cobram, na pior altura: quando foram esquecidas por quem prometeu. A ansiedade em ver o nome todos os dias nos jornais é a bengala dos medíocres.
8. Seguir o programa eleitoral. É cada vez mais pelos programas não cumpridos que os ministros são avaliados. Procurem cumprir o programa e fazer saber que o respeitam. Se tiverem que alterar alguma coisa, anunciem-no, os eleitores preferem ministros leais a aldrabões bem-falantes.
9. Organizar as entrevistas. Por prioridade informativa e não por simpatia política ou pessoal. As primeiras entrevistas são essenciais para colher informação, mas pelo meio instila-se a intriga. Conheci um ministro que acumulou mais de meio milhar de pedidos antes de começar a receber. O tempo fez cair metade. E tinha razão. Foi genericamente um bom ministro.
10. Organizar as visitas. Há uma tendência natural para iniciar as visitas com critérios obtusos: a terra onde se nasceu, o serviço onde trabalhou, os locais onde espera ser mais bem acolhido. Também se conhece o hábito de o novo ministro visitar os serviços que de si dependem, logo pelas 9 horas da manhã. Evitem o embaraço ou mesmo o enxovalho de não terem técnicos ou mesmo dirigentes a receberem-vos. Qualquer visita consome um tempo dispendioso e tem que servir para recolher informação preciosa. Deve ser criterioso na escolha dos locais e cuidadoso no desenho do programa. Pior que uma visita inútil é uma visita sem objectivo ou com programa mal definido. Além da oportunidade perdida, cria novos problemas que consomem tempo e meios a resolver.
11. Nenhum ministro trabalha só. Tem que coordenar esforços com colegas. Deve visitá-los com a sua equipa e uma lista de problemas comuns, previamente acordada. São necessárias cumplicidades e o contacto pessoal é indispensável. Tenham a iniciativa de se deslocar, não liguem à ordem do protocolo.
12. Mudem de número de telemóvel. Quanto antes. Nada pior que a dependência do click das mensagens. Lê-las perante outros é sinal de desrespeito, por prestarmos mais atenção ao interruptor oportunista que ao que se encontra frente a nós. Será conveniente mudar de número, entregando o antigo a uma secretária que discretamente anotará as mensagens. Mas devem facultar o vosso número aos colaboradores mais directos, será uma prova de confiança.
Estas regras não esgotam o manual do bom senso governativo. O mais importante será o comportamento de cada um perante o poder que lhe é confiado. Os ministros dividem-se em duas categorias, os que mudam e os que não mudam quando ascendem ao poder. Os primeiros terão sempre dificuldade em regressar à vida real. E o Povo em os suportar.
Professor catedrático reformado