No Chile, centro mundial da astronomia, receia-se que o céu fique menos escuro

Dentro de seis anos deverá entrar em funcionamento o Telescópio Gigante Magalhães no deserto do Norte chileno. Mas até lá, os céus daquela região poderão ficar menos prístinos devido à iluminação pública.

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Representação artística do futuro telescópio TGM, que deverá entrar em funcionamento em 2021 Telescópio Gigante Magalhães

Quando, em meados do mês de Novembro, alguns dos mais importantes astrónomos do mundo subiram um pico montanhoso e gelado no Chile para abrir caminho à construção de um telescópio de ponta orçamentado em mais de 915 milhões euros, ficaram espantados pela presença inesperada de uma bruma luminosa. No chão do deserto de Atacama, a uns 1700 metros abaixo do sítio onde está planeada a construção do Telescópio Gigante Magalhães (TGM), os novos candeeiros a ladear a estrada norte-sul do Chile brilhavam intensamente.

À vista desarmada, a Via Láctea surgia  mesmo assim muito nítida naquele local. Mas para um telescópio sensível, dotado da mais moderna tecnologia e concebido para olhar para os recantos mais longínquos do Universo conhecido, a nova iluminação poderá significar a cegueira. “É como pôr uma plataforma petrolífera no meio do Grande Recife de Coral”, diz Guillermo Blanc, professor de astronomia da Universidade do Chile, que viu pela primeira vez aquelas luzes há cerca de um mês, por ocasião da cerimónia de colocação da primeira pedra do telescópio. “É uma loucura”, acrescentou. “Por que é que estão a querer iluminar os Andes?”

Nos últimos 30 anos, o Chile criou um nicho de mercado enquanto centro global de observações astronómicas. Mais de uma dúzia de grandes telescópios de investigação já foram construídos e, até 2020, 70% das infra-estruturas de astronomia deverão ficar situadas naquele país sul-americano.

"O TGM será o maior telescópio do mundo quando entrar em funcionamento em 2021”, refere um comunicado a TGM, organização responsável pelo futuro aparelho, que reúne instituições internacionais dos EUA, Austrália, Brasil e Coreia do Sul, com o Chile como país-hospedeiro. Previsto para ser construído no Observatório de Las Campanas, no Sul do deserto de Atacama, o novo telescópio deverá estar plenamente operacional em 2024.  

Os baixos níveis de humidade e o fluxo regular do ar no deserto de Atacama, no norte do Chile, a uns 450 quilómetros da capital Santiago, criam condições sem par de visibilidade para os telescópios high-tech que os cientistas esperam irão fornecer novos dados sobre formação de Universo e a possibilidade de existir vida extraterrestre.

Mas os cientistas dizem que a poluição luminosa tem aumentado muito nas paisagens desertas de Atacama à medida que acelera o crescimento das povoações mineiras e do turismo. “Actualmente, existe o receio de que a astronomia de base terrestre esteja em risco a longo prazo. Já não existem assim tantos locais prístinos no mundo”, diz Patrick McCarthy, presidente do TGM. “À medida que as cidades e as estradas crescem, deixa-se de conseguir ver os objectos [celestes] mais ténues. Ora, os objectos mais ténues são precisamente a razão pela qual estamos a construir estes telescópios à partida.”

Descobertas em perigo
A pouco mais de 100 quilómetros a sudoeste do TGM, as povoações de Coquimbo e de La Serena aumentaram quase 70% de 1992 a 2012. Discotecas, instalações desportivas e extensos subúrbios atiram luz artificial brilhante para o céu nocturno. Os cientistas do Observatório Gemini, situado num outro cume, a mais de 60 quilómetros a sudeste destas zonas urbanas, reportam que a crescente poluição luminosa já teve um efeito mensurável. “Já é possível detectar a iluminação pública em determinados comprimentos de onda”, diz René Rutten, astrónomo do Gemini. “Numa noite escura e sem Lua, conseguiríamos ver, desde aqui, as áreas urbanas ao longe – e, mesmo à vista desarmada, o que é visível é muito, muito significativo.”

A expansão da vizinha Estrada 41, que liga La Serena à Argentina, representa uma outra ameaça, diz Chris Smith, responsável no Chile pelo grupo de investigação, com base em Washington (EUA) que está neste momento a construir, ao lado do Gemini, com um orçamento de mais de 600 milhões de euros, o LSST (Large Synoptic Survey Telescope). Se as devidas precauções não forem tomadas, estima este cientista, o aumento da poluição luminosa poderia vir a degradar materialmente os céus da região em apenas uma década.

Existem poucos registos oficiais sobre a poluição luminosa no Chile e medir quantitativamente essa poluição ao longo do tempo é difícil. No entanto, os astrónomos afirmam que últimos anos, a luz artificial tem vindo difundir-se no céu nocturno a altitudes cada vez maiores por cima do horizonte.

Todavia, muitos cientistas apressam-se a acrescentar que os céus chilenos ainda permitem fazer excelentes observações astronómicas. Mas queixam-se da falta de controlo e da escassa regulamentação da iluminação artificial.

Para tentar reverter a situação, os cientistas estão a trabalhar directamente com as comunidades para construir candeeiros que difundam a luz apenas para baixo e em certos comprimentos de onda. E embora a maioria das povoações tenha sido receptiva a esta iniciativa, dizem os astrónomos, alguns grupos de pressão da indústria queixam-se do eventual impacto que isso poderá ter nos negócios, enquanto as autoridades locais expressam preocupação face à ideia de as ruas se tornarem mais escuras.

Os cientistas também pediram às Nações Unidas para classificar a região Património Mundial, na esperança de conseguir manter a escuridão do céu. “Estamos a tentar encontrar respostas para questões fundamentais do tipo: como se formou o Universo? Como se formou o Sol?”, diz Guillermo Blanc. “Isso é algo que pertence à humanidade. E pensamos que temos o dever, enquanto país, de o proteger.”

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