Pressionada pelos refugiados, UE dá novo fôlego às negociações com a Turquia
Vinte e Oito abrem novo capítulo de um processo de adesão que se arrasta há dez anos. Comissário para o Alargamento admite que decisão é "pragmática"
Cumprindo a sua parte do acordo, a União Europeia relançou nesta segunda-feira as negociações para a adesão da Turquia – um processo já longo e no qual poucos acreditam – na esperança de que Ancara trave a chegada em massa de imigrantes e refugiados à Europa e se empenhe na luta contra os jihadistas do Estado Islâmico. “Este é o momento propício”, anunciou o comissário para o Alargamento horas antes de ser aberto um novo capítulo das negociações.
Na Europa e na Turquia são muitas as dúvidas sobre a sinceridade de ambos os lados nestas negociações: os mesmos líderes que ainda há meses rejeitavam a hipótese de adesão, admitem publicamente que o processo só é relançado para conseguir a cooperação do Governo turco; a oposição ao Presidente Recep Tayyip Erdogan acusa-o de usar as negociações como cortina de fumo para a sua deriva autoritária, não estando verdadeiramente interessado nas reformas que lhe são exigidas. O comissário Johannes Hahn respondeu nesta segunda-feira que “o pragmatismo não é um mau conselheiro em matéria de relações de vizinhança”.
As negociações formais para a adesão da Turquia – que apresentou a sua candidatura à UE em 1987 e só em 1999 foi formalmente aceite como candidata – começaram há uma década, mas as discussões têm sido lentas e só foram ainda abertos 14 dos 35 capítulos que compõem o processo. Só que a crise dos refugiados deu a Ancara um novo peso negocial e no final de Novembro, assoberbada pela chegada de quase um milhão de pessoas às suas fronteiras, a UE prometeu três mil milhões de euros para ajudar a Turquia a melhorar as condições de vida dos que fugiram à guerra e, em simultâneo, aceitou relançar as negociações sobre a adesão e facilitar a concessão de vistos a cidadãos turcos.
“Honestamente, isto é para que a Turquia nos ajude a evitar que os refugiados venham para a Europa”, admitiu Sebastian Kurz, chefe da diplomacia austríaca, à entrada para a reunião mensal dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, palco da abertura oficial das negociações sobre o capítulo 17, relativo às políticas económicas e monetárias. Outros congéneres lembraram que o acordo obriga também a Turquia a reforçar o controlo da sua fronteira com a Síria (por onde transitam armas e combatentes para o Estado Islâmico) e a combater o tráfico de petróleo, uma das principais fontes de receitas dos jihadistas.
O comissário para o Alargamento deverá apresentar na próxima Primavera uma avaliação sobre quais os próximos domínios em que é possível passar à fase das negociações, mas nada garante a Ancara que as discussões serão mais rápidas do que têm sido até aqui. A UE admite que não haverá novas adesões até 2020 e o último relatório sobre a evolução da candidatura turca denunciava os ataques à liberdade de imprensa e à independência do poder judicial, apesar de a sua divulgação ter sido adiada para depois das legislativas que deram maioria absoluta ao partido de Erdogan.
Exemplo das dificuldades de Ancara, as negociações do capítulo 17 prometem esbarrar rapidamente nas dúvidas europeias sobre a autonomia do banco central turco, um pressuposto essencial para colocar a Turquia em linha com as regras europeias. Ainda na Primavera, os ministros das Finanças da UE manifestaram o seu desagrado com alegadas pressões de Erdogan para que a instituição mantivesse os juros abaixo do que seria previsível nos meses que antecederam as eleições. Numa conferência de imprensa em Ancara, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davotuglu disse que as dúvidas europeias sobre a independência do banco central tem sido “exageradas” e, em Bruxelas, a delegação de Ancara disse esperar um avanço rápido nas negociações “já que a Turquia não tem muitas falhas neste capítulo”.