Merkel resiste aos críticos e afasta dúvidas sobre liderança do seu partido
Chanceler aplaudida no congresso dos Cristãos Democratas. Não se desviou da política de portas abertas, mesmo prometendo “reduzir visivelmente” a chegada de refugiados à Alemanha.
A chanceler alemã contrariou nesta segunda-feira quem nas últimas semanas afirmou que a sua liderança de 15 anos sobre os Cristãos Democratas (CDU) estava em risco com as divisões criadas no partido pela chegada de centenas de milhares de refugiados à Alemanha. O seu poder ficou comprovado no aplauso de quase dez minutos ao discurso de abertura do congresso da formação, no qual Angela Merkel prometeu não se desviar do “imperativo humanitário” de manter a porta aberta a refugiados.
Fê-lo aproveitando para atacar as preocupações dos que não acreditam que o país seja capaz de acolher tantas pessoas num só ano. “Nós queremos, e iremos, reduzir visivelmente a chegada de refugiados”, prometeu Angela Merkel a cerca de mil delegados da CDU. “Com uma abordagem focada nos níveis alemães, europeus e globais, conseguiremos regular e limitar a migração”, disse.
Merkel parecia fazer uma grande concessão à ala crítica no interior do partido, depois de ter prometido no final do Verão receber todos os que fugiam da perseguição e guerra, o que significa ignorar algumas regulações europeias. Mas a realidade é outra. No domingo, a direcção do CDU recusou uma proposta dos críticos ao acolhimento em larga escala de refugiados para impor um limite ao número pessoas que a Alemanha poderá receber num ano. Foi uma vitória para Merkel, que considerava a medida “inconstitucional” e “imoral”.
A derrota dos seus críticos acabou consumada no aplauso à chanceler de oito minutos e 55 segundos – contados pelo canal N-Tv. Aconteceu no momento em que a chanceler repetiu o lema “Nós conseguimos fazê-lo”, frase criada quando a entrada diária de dez mil pessoas na Alemanha começou a gerar ansiedade no país. No momento em que foi discursar o único membro da direcção do partido que votou contra a resolução apoiada de Merkel, metade da sala de conferências em Baden-Wurttemberg já saíra.
O trecho da resolução que Merkel citou para prometer limitar a chegada de refugiados ao país foi “apressadamente” acrescentado no domingo, segundo escreve a Reuters. “O prolongamento do fluxo actual [de refugiados] sobrecarregaria a longo prazo o Estado e a sociedade, mesmo num país como a Alemanha”, lê-se no resto do comunicado.
A mensagem é principalmente para consumo interno: o objectivo não é novo, a chanceler não deu detalhes sobre como o quer fazer e passou mais tempo do seu discurso a defender a ideia de que a Alemanha é o único país na Europa com condições para acolher os que fogem da guerra. Não passa de um “compromisso modesto”, escreve o Financial Times, que, a par da revista Time, escolheu Merkel como a figura do ano.
Preocupações eleitorais
A política de portas abertas de Merkel recebeu até agora mais apoio dos seus parceiros de centro e esquerda na coligação governamental – Social-Democratas e Verdes – do que do seu próprio partido. As grandes críticas têm vindo inclusivamente do CSU, o partido irmão da Bavária. Nesta segunda-feira, o seu líder, Horst Seehofer, o mais estridente opositor interno de Merkel, prometeu que o tema dos refugiados “será central, talvez até o único” do seu discurso no segundo e último dia do congresso, na terça-feira.
Os conservadores preocupam-se com as eleições regionais de Março, com a queda da popularidade do Governo e com o crescimento do partido populista anti-imigração, Alternativa para a Alemanha, que tem capitalizado com a chegada de já quase um milhão de requerentes de asilo este ano – em linha com as estimativas do Governo.
Também por isso, os Democratas Cristãos estavam sob pressão para se mostrarem unidos à partida para o congresso desta semana. O principal da política de portas abertas da chanceler resiste à pressão, mas Merkel aproveitou o discurso desta segunda-feira e declarações no domingo para sublinhar que já aprovou algumas medidas de contenção e gestão de refugiados e imigrantes no país: aceitou reduzir o número de países considerados locais de risco, anunciou a criação de centros de repatriamento, e aumentou o financiamento a autarquias e regiões para lidarem com novas chegadas.
Merkel tem ainda outros objectivos em calha. Quer aumentar a colaboração com a Turquia no combate aos traficantes de pessoas, reforçar as fronteiras externas na Europa e melhorar as condições em que vivem os refugiados na Turquia, Líbano e Jordânia, onde vive a grande maioria dos sírios que fugiram (e fogem) da guerra – a falta de financiamento às Nações Unidas e ao Programa Alimentar Mundial é “imperdoável” e “inaceitável”, disse Merkel.
Nenhum país na Europa aceita tantos refugiados como a Alemanha. A União Europeia propõe-se distribuir 160 mil requerentes de asilo entre os 28, mas mesmo este programa reduzido — já chegaram mais de 950 mil pessoas à Europa só pelo Mediterrâneo — não é consensual entre os Estados-membros. A chanceler diz querer também encontrar uma solução no plano europeu que alivie a pressão sobre a Alemanha.