Calais, "a cidade cercada", deu a Le Pen um dos seus melhores resultados
Na cidade onde milhares de pessoas desesperam por uma oportunidade para atravessar o canal da Mancha e a economia estagna, a FN conseguiu quase 50% dos votos.
Marine Le Pen quis fazer de Calais um símbolo – do “fracasso” dos partidos da governação para controlar a imigração e da imparável ascensão da Frente Nacional (FN) – e a cidade portuária fez-lhe a vontade. Nas eleições de domingo, o partido de extrema-direita conseguiu ali um dos seus melhores resultados (49,1%), colhendo os frutos semeados por uma economia estagnada e pelo medo do outro que nasce ali bem perto, no campo onde milhares de imigrantes e refugiados vivem em condições desumanas.
“As pessoas estão fartas com isto dos imigrantes. Se a FN ganhar as eleições, eles vão pôr tudo em ordem, vão limpar tudo”, disse ao jornal Le Monde Brandon, um estudante de 18 anos que assistiu ao anúncio dos resultados da primeira volta das eleições regionais. Le Pen encabeçou a lista na região Nord Pas-de-Calais Picardie e os 40,6% de votos que arrecadou mais do que duplicam a votação da FN em relação às eleições de 2010.
Nesta região, antigo bastião comunista e socialista, as fábricas foram fechando, o desemprego subiu (é hoje de 12,5%, bem acima da média nacional) e um em cada seis habitantes vive abaixo do limiar da pobreza, mostram as estatísticas. Um terreno que é fértil para a extrema-direita, sobretudo quando, como em Calais, a depressão económica anda de mãos dadas com as pressões migratórias. A dois meses das eleições, rodeada por jornalistas, a líder da FN foi a Calais, “cidade mártir” e “cercada”, prometer que, se for eleita presidente da região, “fará um barulho dos diabos” até conseguir libertar a localidade da “submersão migratória a que tem sido sujeita”. O conselho regional tem poderes limitados na matéria, mas Le Pen acenou com a possibilidade de cortar os apoios às organizações que se substituíram ao Estado no apoio aos imigrantes.
A “Selva” – como os habitantes da cidade chamam aos sucessivos campos onde os migrantes se abrigam enquanto esperam uma oportunidade para atravessar o canal da Mancha – existe há década e meia em Calais. As tendas foram mudando de lugar, com um acampamento a nascer sempre que outro era desmantelado. Mas a crise migratória de 2015 transformou o actual campo numa pequena cidade, que em Outubro albergava cerca de seis mil pessoas, a viver em “condições diabólicas”, “muito abaixo dos padrões mínimos dos campos de refugiados do ACNUR”, concluiu um estudo feito em colaboração com os Médicos do Mundo, uma das ONG a trabalhar no local.
Durante o Verão, houve noites em que, de uma única vez, duas mil pessoas tentaram entrar no túnel que liga Calais à cidade inglesa de Dover. Centenas foram detidas e cerca de 20 morreram atropeladas ou electrocutadas em inúmeras tentativas. Pressionados pela direita anti-imigração, os governos de França e do Reino Unido criaram um comando único de polícia, ergueram barreiras, adoptaram medidas de segurança sem precedentes. As travessias diminuíram, mas a tensão em Calais cresceu e, em Novembro, houve dias seguidos de confrontos entre a polícia e os imigrantes.
Com as regionais à porta, o Ministério do Interior francês pôs em marcha um plano para reduzir a população do campo – 1500 pessoas foram realojadas noutras regiões de França e mais de mil foram detidas e levadas para centros de detenção. No início do mês, Paris anunciou que viviam na “Selva” apenas 4500 pessoas, mas as ONG dizem que muitos dos que foram levados acabaram por regressar pouco depois, recusando desistir de viajar para o Reino Unido, onde têm família ou a esperança de um emprego e de segurança.
Nada disto acalmou os habitantes de Calais, onde domingo a FN testou o sucesso da sua receita xenófoba, batendo a direita e os socialistas, mesmo com um aumento da taxa de participação em relação a 2010. “Agora quando andamos na rua não nos sentimos em segurança”, disse ao Le Monde Sarah, que mora em frente à cidade de tendas e se dizia “orgulhosa” por ter votado na FN. “Marine Le Pen vai dar um murro na mesa em nome dos calaisiens.”