Refer condenada por não reintegrar gestor afastado por causa dos swaps

Gestora da rede ferroviária recusou reintegrar José Silva Rodrigues em 2013 depois de este ter sido exonerado da Carris devido à polémica dos swaps. O gestor queixou-se e viu reconhecido o despedimento ilegal. Empresa já recorreu.

Foto
José Silva Rodrigues a responder no Parlamento sobre a polémica dos swaps Daniel Rocha

O Tribunal do Trabalho deu razão ao ex-presidente da Carris/Metro de Lisboa, José Silva Rodrigues, a quem a Refer recusou, em 2013, um pedido de reintegração como consultor. A decisão, de Outubro, condena a empresa (que se fundiu este ano com a Estradas de Portugal, dando origem à IP – Infra-estruturas de Portugal), ao pagamento de uma indemnização por “despedimento ilícito” de 68 mil euros (mais juros, até ao efectivo pagamento).

Silva Rodrigues, um dos gestores públicos exonerado de funções em Junho de 2013 devido à polémica dos swaps, tinha desde 2004 um lugar de reserva na Refer, a que tentou regressar quando foi afastado da Carris/Metro, mas acabou por ser demitido. Inconformado com o que considerou “uma decisão política” à margem da lei e queixando-se de ter sido “o alvo escolhido para abater”, avançou para tribunal exigindo uma indemnização de 269,7 mil euros por danos patrimoniais e danos morais, de acordo com o processo consultado pelo PÚBLICO.

Uma acção que o Tribunal julgou “parcialmente procedente”, condenando a Refer ao pagamento de 68 mil euros. A empresa recorreu da decisão para o Tribunal da Relação em Novembro. Contactada pelo PÚBLICO, a IP não quis comentar.

Já Silva Rodrigues, actualmente quadro do Grupo Barraqueiro, disse estar a “aguardar com serenidade” o resultado do recurso, reiterando que foi “vítima de discriminação política”.

A ligação entre Silva Rodrigues e a antiga Refer remonta a 2004. Na queixa, o ex-presidente da Carris/Metro explica que no final de 2002, depois de um percurso profissional quase sempre ligado ao sector público, foi convidado pelo secretário de Estado dos Transportes Francisco Seabra Ferreira para presidir à Carris (cargo que desempenhou durante quase dez anos). “Nessa mesma altura” foi também acordada “a sua contratação para funções de assessoria” na Refer. Este acordo foi “materializado em Dezembro de 2004”, quando celebrou com a empresa “um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado”.

Entretanto iam-se sucedendo “acordos de três anos” entre a Refer, a Carris e Silva Rodrigues, em que a primeira cedia o gestor à segunda, “temporariamente e com carácter eventual”, para o exercício do cargo de presidente da administração. No triénio 2012/2014, esta “cedência ocasional” destinou-se ao desempenho do cargo na Carris e Metro e nesse momento ficou “estabelecido que cessando os mesmos [cargos]”, Silva Rodrigues regressaria à Refer, “mantendo todos os direitos”. O gestor passou a fazer parte dos quadros da Refer, com número de trabalhador, seguro de saúde e categoria de “assessor superior do conselho de administração”, com remuneração de 5360 euros, refere a queixa.

Depois estalou a polémica dos swaps. Uma auditoria da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública detectou contratos de derivados tóxicos nas Metro de Lisboa e do Porto, Egrep, CP, STCP e Carris – os instrumentos de cobertura dos riscos de variação de taxa de juro incluíam componentes especulativas e permitiam aos bancos liquidar antecipadamente os contratos. Na Carris foram identificados dois swaps do Santander.

Em consequência da exoneração, no início de Junho Silva Rodrigues comunicou à Refer que pretendia, assumir funções na empresa a 23 de Junho. Mas “inesperadamente”, no dia 24, foi informado de que não seria readmitido pelo facto de o contrato de 2004 “padecer do vício de nulidade” por violar o Código das Sociedades Comerciais (CSC) quando este diz que “durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo”. Além disso, não podem “celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador”, refere ainda o artigo 386 do CSC.

Na contestação à queixa, a gestora das redes ferroviárias salienta que o contrato é nulo pelo facto de o gestor, “à altura da sua celebração, estar a desempenhar as suas funções de administrador da Carris”. Mas Silva Rodrigues sustenta que a Carris segue o regime dos gestores públicos e não o das sociedades comerciais, e que antes da revisão das regras de incompatibilidades dos gestores públicos era possível celebrar contratos de trabalho com outras empresas do Sector Empresarial do Estado (SEE).

A Refer salienta por seu turno que o ex-presidente da Carris/Metro jamais integrou o quadro da empresa, nunca lhe comunicou que podia vir a exercer funções ao abrigo do contrato de 2004, nem tão pouco recebeu anuência a esse pedido: “Era estranho” que a Refer necessitasse do seu trabalho “quando, decorridos quase dez anos, dele nunca necessitou”, refere a contestação.

Além de ter sido celebrado à revelia do CSC, a produção de efeitos do contrato estava sujeita a que Silva Rodrigues deixasse de ser administrador da Carris e o gestor “nunca comunicou” o fim desta “situação de incompatibilidade ou de acumulação de funções”, diz ainda a Refer, que questiona a moralidade da reintegração. “Seria eticamente chocante que o autor viesse a beneficiar por conta da ré das garantias de um estatuto laboral ficcionado à sombra de um pretenso contrato de trabalho que só existiu na forma”, lê-se no processo.

Já Silva Rodrigues diz-se “alvo de um despedimento sumário, sem justa causa e sem processo disciplinar” e, como tal, “ilícito”. Além do mais, nota que a cessação do contrato “nos moldes em que sucedeu” foi “penosa e vexatória” e lesou o seu “bom nome e reputação profissional”, construídos em mais de 30 anos em cargos públicos.

Na decisão final, o Tribunal entendeu ser “plenamente válido o contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré em 2004”. Ao impedir o início de execução do contrato de trabalho quando Silva Rodrigues deixou de ser gestor público sem recurso a um procedimento formal, a Refer despediu-o “de forma ilícita”. Por isso foi condenada ao pagamento de uma indemnização de 68 mil euros, considerando-se, no entanto, que o pagamento de retribuições vencidas e vincendas não se justificava pelo facto de o gestor ter começado a trabalhar na Barraqueiro apenas dois meses após o despedimento.

Precisamente por ter conseguido emprego, o Tribunal entendeu que “a publicidade [do despedimento] não o prejudicou”, não havendo lugar a indemnização por danos morais. “O bom nome a e reputação poderão ter sido abalados mas muito mais por culpa do caso swaps”, conclui a decisão.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários