Coldplay: uma festa de clichés

Esta banda é hoje um híbrido de rock de estádio, R&B de produção hi-tech e baladice sentimentalista.

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Julia Kennedy

No anterior Ghost Stories, álbum ressaca de uma separação, a badalada entre Chris Martin e Gwyneth Paltrow, o vocalista dos Coldplay cantava que, apesar de toda a dor e angústia, continuava a ser capaz de sonhar. Head Full of Dreams, o disco que lhe sucede um ano depois, confirma logo pelo título que sim, Martin sonha (e sonha como nunca).

Depois do megalómano Mylo Xyloto, versão Coldplay de um álbum conceptual de rock progressivo, e de Ghost Stories, tradução Coldplay para melancolia, Head Full of Dreams será, à uma, o álbum festa de sábado à noite da banda britânica e uma súmula do que foi o seu percurso desde o longínquo 2000 em que se apresentaram: You have your head full of dreams!, declara Martin, em modo messiânico pagão e para que não restem dúvidas, logo a início.

A verdade, porém, é que os Coldplay, a banda de maior sucesso nascida na alvorada do século XXI, evoluíram e já não podem ser o que foram outrora. Ao mesmo tempo, continuam, fruto do temperamento “sensível” de Chris Martin sempre que se aproxima do microfone, a ser indiscutivelmente os Coldplay. Em Head Full Of Stars há uma Birds, a segunda canção, que sugere que algo neles subsiste da discreta pop baladeira dos primeiros tempos – mas agora a discrição é assumida perante a plateia repleta de um estádio (as digressões não tardam). Trata-se, porém, de um mero olhar de relance ao passado que já não volta.

Head Full Of Dreams é de outra natureza: os Coldplay incluem um par de solos de guitarra no alinhamento, meio a despropósito, para que, nos concertos por vir, o público possa celebrar um dos membros da banda que não se chama Chris Martin (o seu nome é Johnny Buckland), mas esta banda é hoje um híbrido de rock de estádio, R&B de produção hi-tech, e baladice sentimental, tudo pontuado pelos exercícios vocais de Martin que, dobrados pelos coros, parecem sempre preparados para integrar um catálogo de melodias para anúncio publicitário.

Hymn for the weekend, com a participação de Beyoncé, tenta o hedonismo cool do melhor Justin Timberlake, tempera a coisa com uns pós de EDM, mas fica a meio caminho, nem festim dançante, nem boa rebaldaria lasciva, incapaz de dar esse passo decisivo – algo que a letra, que sofre do mal habitual nos Coldplay, uma ambição de profundidade minada por um incontrolável resvalar para lugares-comuns, torna claríssimo: Life’s a drink, and love’s a drug / Oh, now I think I must be miles up.

Os Coldplay festivos de Head Full of Dreams fazem questão de mostrar que, como o resto da Humanidade, ouviram o Get lucky dos Daft Punk em vários fins-de-semana de Verão (Head full of dreams e Adventure of a lifetime). Os Coldplay festivos deitam mão ao vocoder e derramam vagas de sintetizadores sobre Army of one – guitarra picada sobre elas e nova deixa que magoa pela banalidade: Been around the world / looking for someone like you. Os Coldplay, ainda que festivos, têm que diminuir as rotações e dar espaço baladeiro a Chris Martin e seu piano: uma citação a Sacrifice, canção do pior Elton John dos 80s, na percussão sintética, a imagem de Robert Miles, fugaz celebridade techno-house na década seguinte, na cadeira de produtor e nós a termos alguma dificuldade em concordar com a premissa cantada em Everglow, you can’t beat this feeling.

Head Full of Dreams tem uma vantagem sobre os dois álbuns anteriores dos Coldplay. Despido de qualquer pretensiosismo, pretende ser apenas uma colecção de canções pop adaptadas àquilo que os Coldplay, nas altas esferas do estrelato, vêem como o cenário musical contemporâneo. Head Full of Dreams tem um problema: há demasiados clichés Coldplay (nas letras criadas; na forma como, nos arranjos de voz, se confunde sensibilidade com exibicionismo mais adequado a concurso de talentos televisivo; na incapacidade de se libertarem da sua natureza e arriscarem verdadeiramente) para que esse lado festivo, descontraído, se manifeste verdadeiramente. É uma pena. São os Coldplay. 

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