E se os medicamentos fossem pagos em função dos rendimentos?
Iniciativa Latitude juntou vários especialistas da área da saúde num projecto sobre inovação. Resultados e propostas do grupo liderado pela socialista Maria de Belém Roseira são apresentados nesta terça-feira em Lisboa.
O acesso dos portugueses aos medicamentos inovadores está a ser comprometido e só é possível inverter este cenário com medidas concretas que unam, por exemplo, os vários países da União Europeia. Além disso, o actual modelo de pagamento de fármacos deve ser revisto e adequado tanto à gravidade das doenças como ao rendimento dos doentes. Estas são algumas das principais conclusões da Iniciativa Latitude, um projecto sobre a inovação na área da saúde, coordenado pela socialista Maria de Belém Roseira, que será apresentado nesta terça-feira, em Lisboa.
A iniciativa, apoiada pelas farmacêuticas GSK e Janssen, nasceu há três anos e juntou 22 personalidades de vários sectores e ligadas à área da saúde. Ao longo deste tempo produziram graciosamente nove documentos ligados a diferentes vertentes da inovação. O resultado final será apresentado nesta terça-feira, sob a forma de livro, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian. Em antecipação da conferência, Maria de Belém Roseira, num encontro com jornalistas, começou por explicar que “para nós inovação é inovação disruptiva, não é qualquer novo nome de uma qualquer molécula que já esteja a ser utilizada” e defendeu que é necessária mais estabilidade nas políticas de saúde para chegar a consensos.
Um dos principais capítulos do livro coordenado pela agora candidata presidencial diz respeito ao financiamento e utilização do medicamento e propõe, por exemplo, que na comparticipação de um medicamento seja tida em consideração a gravidade da doença – já que alguns fármacos funcionam em patologias diferentes ou com graus distintos e podem levar um doente a precisar de consumir pouco e outro a consumir muito. Ainda no mesmo tema, outro dos objectivos é que o valor do medicamento a cargo do utente deixe de ser igual para todos os doentes e tenha em consideração os rendimentos. Na opinião dos autores, caberia ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social esta articulação na avaliação das condições económicas dos cidadãos.
Apostar mais nos farmacêuticos
No entanto, Maria de Belém alertou que as medidas não se ficam pela despesa. A ideia passa também por reforçar a literacia dos cidadãos e por apostar mais no papel dos farmacêuticos enquanto profissionais de saúde próximos dos doentes e com capacidade para assegurar uma correcta toma da medicação. Assim, garantiu que o próximo Orçamento do Estado não precisaria necessariamente de aumentar as verbas para a saúde, mas sim apostar em “gastar de forma mais racional”.
Para a socialista é também fundamental que Portugal avance para mais modelos de partilha de risco com as farmacêuticas – à semelhante do que aconteceu com a hepatite C, em que o país paga apenas pelos doentes que ficam efectivamente curados. “Muitas vezes o impacto positivo de um medicamento pode não vir a verificar-se”, alertou, acrescentando que para este tipo de financiamento é necessário melhorar os sistemas de acompanhamento dos resultados dos tratamentos nos doentes.
O debate europeu
Independentemente destas medidas de carácter mais nacional, a Iniciativa Latitude dedica um capítulo às temáticas europeias. Segundo Maria de Belém, é urgente melhorar a “posição de Portugal no debate europeu” e levar os Estados-membros a actuar de forma concertada. “Ao nível da União Europeia precisávamos de fazer coincidir as afirmações de princípio com as acções práticas”, destacou, justificando que muitas das exigências financeiras dos programas de ajustamento vão no sentido contrário do que deve ser a aposta nos sistemas de saúde.
“Se os preços estabelecidos impedem à partida os países com dificuldades financeiras, isso pode transformar em quase impossível o acesso a medicamentos inovadores”, reiterou a candidata às presidenciais. A este propósito, Maria de Belém Roseira alertou que a saúde é fundamental para a competitividade dos países: “A saúde não tem apenas como resultado um bem social ou individual. A saúde tem também uma enorme implicação na produtividade das pessoas, tem um valor económico extraordinário e isso normalmente é omitido”.
As conclusões do projecto aconselham a que a União Europeia avance para soluções comuns em que o preço tenha em consideração tanto a quantidade de medicamentos a comprar como o produto interno bruto de cada país – enquanto um indicador aproximado do poder de compra. Por outro lado, Maria de Belém insistiu na importância de se criarem mecanismos mais robustos para analisar a informação sobre estes temas. Uma das coisas que está por fazer e que considera fundamental é passar a ter em consideração que há uma parte da investigação feita pelas farmacêuticas que é paga com financiamento europeu, pelo que se os países assumem parte do risco isso deveria fazer descer o preço final.
O grupo de trabalho conta com várias personalidades, como Adalberto Campos Fernandes, antigo presidente do Hospital de Santa Maria e professor da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Nuno Miranda, director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, António Diniz, director do Programa Nacional para a Infecção VIH/Sida, João Pereira, economista e director da ENSP, Rui Santos Ivo, presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, Manuel Antunes, cirurgião cardiotorácico, Ricardo Baptista Leite, deputado do PSD, e Teresa Caeiro, deputada do CDS-PP.