Poeta condenado à morte na Arábia Saudita
Preso há quase dois anos, Ashraf Fayadh, um dos nomes centrais da nova cena artística saudita, foi sentenciado à morte, acusado de renunciar ao Islão.
O poeta, artista plástico e curador palestiniano Ashraf Fayadh, radicado na Arábia Saudita e considerado um dos nomes mais importantes da nova cena artística do país, foi esta semana condenado à morte por ter renunciado ao Islão.
Um tribunal saudita ordenou na terça-feira a execução de Fayadh, que tem agora 30 dias para recorrer da decisão. Mas activistas que vêm acompanhando o processo contam que lhe está a ser vedado o acesso a representantes legais e que as autoridades lhe proíbem todas as visitas.
Com 35 anos, Fayadh é um dos responsáveis da associação cultural e artística Edge of Arabia, e comissariou várias exposições na Europa, designadamente na Bienal de Veneza, mas foi a sua poesia que o levou à prisão, primeiro em Agosto de 2013, e novamente em Janeiro de 2014.
Em Maio do ano passado, um tribunal de Abha, no sudoeste da Arábia Saudita, condenou- o a quatro anos de prisão e 800 chicotadas. Mas Ashraf Fayadh voltou a ser julgado no mês passado e um novo juiz condenou-o agora à morte.
Mona Kareem, uma activista que tem feito campanha pela libertação de Fayadh, disse ao jornal inglês The Guardian que este não pôde contratar um advogado porque os seus documentos de identificação foram confiscados quando da sua última prisão. E garante ainda que o novo juiz “nem sequer falou com ele, limitou-se a anunciar a sentença”.
“Fayadh foi sentenciado à morte após ter estado preso durante mais de 22 meses na cidade saudita de Abha sem quaisquer acusações claras, além de ‘insultar Deus’ e de ‘ter ideias que não se adequam à sociedade saudita’”, denuncia o texto de uma petição da Amnistia Internacional que apela à sua libertação. O mesmo documento lembra que a sua prisão se baseou na interpretação que um leitor fez do livro de poemas que Fayadh publicou em 2008, e cujo título é traduzível por “Instruções no Interior”.
“Acusaram-me de ateísmo e de propagar pensamentos destrutivos”, disse Fayadh ao Guardian, acrescentando a sua própria visão do livro: “Era só sobre a minha condição de refugiado palestiniano, sobre questões culturais e filosóficas, mas os extremistas religiosos leram nele ideias destrutivas contra Deus”.
Mas Mora Kareem e outros apoiantes de Fayadh acreditam que a verdadeira razão que levou a linha dura do regime de Salman bin Abdulaziz – que assumiu em Janeiro o trono da monarquia islâmica wahabista, após a morte do rei Abdullah, seu meio-irmão – a pressionar para que o artista fosse executado não terá sido tanto a sua poesia, mas o facto de este ter publicado um vídeo na Internet onde se vê a polícia religiosa de Abha a chicotear um homem em público.
Em declarações ao Guardian, Kareem afirma ainda acreditar que Fayadh também está a ser perseguido por ser um refugiado palestiniano, embora tenha de facto nascido na Arábia Saudita.
A primeira prisão de Fayadh ocorreu no Verão de 2013, após este se ter envolvido com outro criador numa discussão sobre arte contemporânea, num café de Abha. No dia seguinte foi libertado sob fiança, mas voltou a ser preso no dia 1 de Janeiro de 2014. Amigos de Fayadh dizem que a dificuldade de provar que a sua poesia promovia o ateísmo levou a polícia local a inventar outras acusações, como a de fumar e usar o cabelo comprido.
Quando chegou a julgamento, em Fevereiro de 2014, já era acusado de blasfemar em público, promover o ateísmo entre os jovens, e manter relações ilícitas com mulheres cujas fotos guardaria no seu telemóvel. Fayadh negou as acusações de ateísmo, afirmando-se um muçulmano fiel, e explicou que as imagens no telemóvel tinham sido captadas durante uma semana de arte na cidade saudita de Jidá.
Este caso, diz David Batty, que escreve no Guardian sobre artes visuais, mas é também um especialista no Médio Oriente, “está a sublinhar as tensões entre os conservadores religiosos da linha dura e o pequeno mas crescente número de artistas e activistas que estão a tentar empurrar as fronteiras da liberdade de expressão na Arábia Saudita”, um país, lembra, onde o cinema é proibido e não há escolas artísticas.
Ahmed Mater, co-fundador do grupo Edge of Arabia e possivelmente o artista saudita mais conhecido internacionalmente, diz que todos em Abha estão a rezar pela libertação de Fayadh. E outro membro da associação, o artista britânico Stephen Stapleton, acrescenta que Fayadh “foi uma figura-chave no processo que levou a arte saudita a um público global”.
Um investigador da ONG Human Rights Watch, Adam Coogle, diz que esta sentença mostra “a completa intolerância” da Arábia Saudita perante “quem quer que seja que não partilhe a visão religiosa, política e social imposta pelo governo”. Coogle defende ainda que as acusações apresentadas no processo não configuram quaisquer crimes e que o condenado não teve direito a ser assistido por um advogado.
O investigador conclui com uma recomendação ao regime: “Se a Arábia Saudita quer melhorar o seu cadastro no que respeita aos direitos humanos, tem de libertar Fayadh e reformar o seu sistema de justiça para evitar perseguições motivadas apenas por discurso pacífico, e em especial as que acabam em decapitações”.
Além da petição lançada pela Aministia Internacional, uma centena de escritores, artistas, editores, jornalistas e activistas árabes de diversos países tinha já promovido uma petição pela libertação do poeta e artista palestiniano. “Permanecer em silêncio perante a detenção de Fayadh é um insulto ao conhecimento, à literatura, à cultura e ao pensamento, bem como à liberdade e aos direitos humanos”, escrevem os signatários.
A sentença de morte agora anunciada, centrada na acusação de apostasia, coincide com um momento em que muitas vozes, na sequência dos atentados de Paris, criticam os Estados Unidos e as potências europeias pela sua política de alianças na região, e particularmente pela sua complacência com a ditadura islâmica saudita.