O atentado - quem captura quem
A desconstrução passa por sabermos que o apelo ao fechar de fronteiras é o regresso à Europa-Fortaleza.
Os terríveis atentados terroristas ocorridos em Paris no último dia 13 exigem de todos nós uma análise fina.
Não passou muito tempo para se ver um pouco por todo o lado, nas redes sociais nacionais e internacionais, bem como em discursos mais ou menos explícitos, um pretenso nexo de causalidade entre o acontecimento que gera uma dor coletiva e individual e a crise dos migrantes.
Não passou muito tempo para ser evidente que este momento trágico, somado a outros, é uma arma utilizada pela extrema-direita com o perigo da eficácia, desde logo porque se infiltra em discurso suave em vozes de protagonistas de uma outra direita que se espera – ou esperava – não contagiável.
Não passou muito tempo para sentir a urgência de denunciar o aproveitamento da dor dos que morreram no sentido de pegar fogo à mesma, instrumentalizar essa dor, não a sentindo, antes fazendo da mesma uma arma para propósitos de disseminação da xenofobia e do racismo.
Não passou muito tempo para recordar que a história se repete, que estamos perante a identificação fictícia de um alvo, para provocar um sentimento geral de que é legítimo abater o mesmo.
Foi assim a partir dos anos vinte do século passado. Com a mesma arma do medo e da transformação dos judeus nos culpados desse medo, dessa ameaça ficcionada, com a transformação dos judeus em alvo, foi atingido o propósito de convencer multidões de que um povo era a culpa das desgraças dos Estados e que atacar esse povo seria apenas uma defesa legítima.
Não passou muito tempo para nos reencontrarmos presentes em obras como a de Stefan Zweig, como o inesquecível livro Memórias de um Europeu, no qual a capacidade de antevisão e de visão da estratégia de criação de um alvo fictício para criar um movimento geral de rejeição dos judeus é a mesma visão para a qual hoje somos convocados.
Não passou muito tempo para encontrar a tal captura da dor dos mortos e dos feridos, a captura dos atentados, por parte da extrema-direita europeia com eco perigoso no discurso que lhe dá consequência. Esse discurso é proferido por vezes sem intenção, por vezes sem consciência, por vezes movido por uma ignorância compreensível, o que nos obriga por acréscimo à sua desconstrução sem paternalismos.
A desconstrução passa pelo aviso da memória coletiva.
A desconstrução passa pela denúncia de que a não denúncia é a pólvora de uma extrema-direita que, quando não está representada, captura quem está e faz isso através de um outro discurso – que é o mesmo – aparentemente e apenas cauteloso.
A desconstrução passa por sabermos que o apelo ao fechar de fronteiras é o regresso à Europa-Fortaleza.
A desconstrução passa por repudiar todas, todas as estratégias de acantonamento de povos, de grupos, de pessoas, de instituições ou de Partidos.
Seja em que palco for, o discurso do acantonamento é um discurso capturado, é o discurso pretendido pela extrema-direita, não só quanto aos migrantes, mas quanto a tudo o que exclua o que a impede a sua expansão.
Daí que a pergunta para reflexão seja esta:
Quem captura quem?
Deputada do PS