A história da fotografia com que a JSD ‘glorificou’ o comunismo
Um mês depois de uma campanha eleitoral marcada pelo uso indevido de fotografias em cartazes e pelo recurso a bancos de imagens comerciais, a escolha imponderada de uma foto histórica veio embaraçar a Juventude Social Democrática nas redes sociais. Em causa está a capa do perfil daquela jota no Facebook: Catarina Martins, António Costa e Jerónimo de Sousa sobre a pergunta ‘Foi nisto que votou?’. Em pano de fundo, uma ilustração de Vladimir Lenine e uma foto do estandarte soviético num mar de ruínas. A intenção, presume-se, é evocar a memória das atrocidades de regimes comunistas.
O problema está precisamente nesta última imagem, que tem o efeito contrário. Trata-se de uma das mais icónicas fotografias do século XX – o içar da bandeira sobre o Reichstag em Berlim, momento simbólico da queda do regime nazi germânico às mãos das tropas soviéticas a 2 de Maio de 1945.
O registo é da autoria de Yevgeny Khaldei, fotógrafo da Tass durante a Segunda Guerra Mundial, e é na verdade uma reconstituição de um primeiro hastear da bandeira. A 30 de Abril de 1945 iniciara-se uma ofensiva para tomar o antigo edifício-sede do poder alemão, onde as tropas nazis se tinham entrincheirado. O Reichstag encontrava-se encerrado desde 1933, quando foi alvo de fogo posto num incidente atribuído ao comunista holandês Marinus van der Lubbe e utilizado pelo Partido Nazi para perseguir a oposição.
Nesse primeiro dia de batalha, um jovem soldado soviético logrou içar a bandeira vermelha no telhado do edifício. O estandarte foi removido horas depois pelas forças nazis, sem ter sido fotografado. Tomado o Reichstag, a cena foi reconstituída com uma bandeira que Khaldei trouxera da Rússia, inspirado pela também histórico içar do estandarte americano em Iwo Jima, em Fevereiro de 1945, numa imagem registada por Joe Rosenthal. Khaldei tirou 36 fotografias até escolher a imagem que marcaria a tomada de Berlim. Esta seria posteriormente editada, com a inserção de colunas de fumo a elevarem-se por entre as ruínas. Um pormenor caricato: o braço que segura o jovem soldado tinha vários relógios - produto de pilhagem - que foram rasurados no negativo pelo fotógrafo.
O 'Robert Capa soviético' justificaria posteriormente a manipulação da imagem com a necessidade da propagada contra o regime nazi. Khaldei, judeu, perdeu o pai e três irmãs às mãos dos alemães, mas também admitiu mais tarde ter sido vítima de discriminação anti-semita na União Soviética. Fotógrafo do Pravda no pós-guerra, acompanhou todos os dirigentes do Kremlin mas viveu sempre num modesto apartamento em Moscovo, onde faleceu em 1997, aos 80 anos. A sua obra foi desde então alvo de inúmeras retrospectivas em capitais ocidentais, e a sua fotografia mais conhecida tornou-se num símbolo não só do comunismo (é, por exemplo, a foto de perfil do deputado do PCP Miguel Tiago no Twitter) como da oposição ao nazismo.
A utilização da fotografia do Reichstag, na terça-feira, pela JSD, motivou por isso comentários satíricos de utilizadores nas redes sociais, que sugeriram que os sociais-democratas estariam a comparar inadvertidamente o Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas ao nazismo.
Em comunicado, a JSD explica que "logicamente não quis fazer qualquer alusão ao modelo nacional socialista ou nazi" e que "ao contrário de outras forças partidárias (...) nega qualquer simpatia por um qualquer regime extremista e ditatorial, seja ele nazi, norte-coreano ou outro que tal". A organização reafirma ainda a crítica ao que considera ser o "Governo ilegítimo de esquerda".
"Rejeitamos uma solução de Governo que não nasça nas urnas e na vontade popular", lê-se na missiva da jota.
Sobre a imagem em si, a JSD entende que não retrata a "capitulação nazi", sublinhando o carácter encenado da fotografia de Khaldei.
No seu blogue pessoal, o antigo deputado centrista Michael Seufert também defende o uso da imagem e escreve que "se é um facto que Hitler foi derrotado no momento em que esse exército chegou a Berlim, vindo de Leste, é um reescrever da história chamar-lhe libertação ou celebrar esse dia".
"É que trocar um ditador – por muito horrível que fosse, como foi o caso de Hitler – por outro – e Estaline jogava com Hitler na liga dos crimes contra a humanidade – não é propriamente ficar livre ou ficar melhor. (...) A associação da JSD está bem feita", justifica.
Apesar da polémica, ou por causa desta, a imagem da JSD foi partilhada por mais de 2.000 pessoas cerca de 48 horas após a publicação, recolhendo mais de 4.600 likes e 1.300 comentários.