O Porto aplaudiu o seu vereador da Cultura até ao fim

O funeral de Paulo Cunha e Silva reuniu uma massa impressionante de pessoas, que acompanhou o cortejo fúnebre entre o Teatro Municipal Rivoli e a igreja da Lapa.

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Adriano Miranda
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O Paulo morreu. O Paulo não morreu. E não morreu porque “legados como o seu não morrem”. As palavras do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ecoaram na igreja da Lapa, onde na tarde desta quinta-feira a cidade se despediu, pela última vez, do vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva. Ao mesmo tempo, com a voz embargada a recuperar firmeza a cada frase, Rui Moreira prometeu que o trabalho desenvolvido por Cunha e Silva terá continuidade. “A única forma de o homenagearmos e de dizermos alto e bom som a quem nos ouve, a quem nos vê e a quem nos lê, que há homens insubstituíveis, é garantirmos que as flores que ele plantou não irão murchar”, disse, recebendo da igreja a abarrotar um enorme aplauso.

Mas, este esteve longe de ser o único aplauso na despedida de Paulo e Cunha Silva, vítima, na madrugada de quarta-feira, aos 53 anos, de um enfarte agudo do miocárdio. As palmas começaram ainda no Teatro Municipal Rivoli, onde o corpo do vereador esteve, desde as 17h de quarta-feira, até às 14h desta quinta-feira, e onde muitos depositaram flores e despedidas. Com a plateia do Auditório Manoel de Oliveira cheia de muitos anónimos e caras conhecidas da cultura, da política, do mundo académico, do jornalismo e do desporto, Pedro Abrunhosa tomou conta do piano instalado num canto do mesmo palco onde estava a urna de Paulo Cunha e Silva e com uma voz que só perdeu o tremor depois dos primeiros versos, cantou “Ilumina-me” e “Eu nem sei quem te perdeu”, antes de se despedir, com um “Obrigado, Paulo, até sempre”.

Aqui, ainda não houve palmas. A plateia ouviu em silêncio o cantor, a interpretação ao piano de Álvaro Teixeira Lopes, de várias peças de Mozart e Bach, e ouviu ainda o presidente da Assembleia Municipal do Porto, Miguel Pereira Leite, declamar a versão portuguesa de Funeral Blues, de W.H. Auden, antes de se pôr de pé e oferecer um longo aplauso ao silêncio.

As palmas regressaram quando o corpo de Paulo Cunha e Silva deixou o teatro que devolveu à cidade e fizeram-se ouvir, amiúde, ao longo do cortejo a pé de uma multidão impressionante que acompanhou o funeral até à igreja. À passagem pelo edifício da Câmara do Porto, e com as ruas da cidade estranhamente silenciosas, o aplauso global de todos os que participaram no cortejo ocupou todo o espaço, como se fosse o próprio edifício que, do seu interior, aplaudia o vereador.

Rui Moreira seguiu a pé, acompanhado pela ministra da Cultura, Teresa Morais, enquanto o líder do PS, António Costa – que terá admitido, segundo o Jornal de Notícias, aquilo que há muito se dizia, que Cunha e Silva seria uma “forte possibilidade para ministro da Cultura" – seguia mais atrás. O ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, associou-se à despedida na igreja, numa cerimónia presidida pelo bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, e em que este salientou “o desígnio de missão [de Paulo Cunha e Silva] para bem de todos os portuenses”. “Vemos todo o amplo caminho que nos abriu, para devolver a Cultura à cidade e fazer do Porto uma cidade feliz”, disse o bispo, defendendo ainda que “o legado humano e o património cultural do professor doutor Paulo Cunha e Silva são agora confiados à cidade e ao país”.

Rui Moreira falou quase no final da cerimónia, depois de uma sobrinha, um amigo e o companheiro de Paulo Cunha e Silva o terem também lembrado e, de novo, a memória do vereador foi saudada com um grande aplauso, que acompanharia a saída da urna para o crematório da Lapa. O presidente da câmara referira-se ao seu vereador como “um génio bom e generoso” e reafirmou o compromisso que, diz, tinha firmado com Paulo Cunha e Silva, em várias conversas, ao longo de 25 anos de amizade: “Acreditamos então e acreditamos agora que a Cultura não é um luxo, não é um bem efémero e leviano que se propague naturalmente e que só é importante em tempos de abastança. Aqui e hoje reafirmo o nosso compromisso para com esta cidade que tanto amámos e amamos: a Cultura não é um luxo, não é um bem efémero e leviano. Não é. É, isso sim, um dos pilares fundamentais da cidade.”

A ouvi-lo estava toda a equipa de Paulo Cunha e Silva na câmara, que agora irá trabalhar directamente com Rui Moreira, depois de este ter assumido o pelouro da Cultura, nomeando Guilherme Blanc, o braço-direito de Cunha e Silva, como seu adjunto. Mas estavam também, além dos ministros e de António Costa, o ex-secretário de Estado da Cultura, Barreto Xavier, toda a vereação (com excepção de Manuel Sampaio Pimentel, ausente por morte de um familiar) e vários deputados da assembleia municipal, os presidentes das câmaras de Matosinhos (Guilherme Pinto) e de Vila Nova de Gaia (Eduardo Vítor Rodrigues), o ex-presidente da Câmara do Porto, Nuno Cardoso, o reitor da Universidade do Porto (Sebastião Feyo de Azevedo), a antiga directora da Direcção Regional de Cultura do Norte, Paula Silva, o bloquista João Semedo, o escritor Gonçalo M. Tavares, o músico Miguel Guedes, o actor Óscar Branco, a empresária Catarina Portas, a maratonista Rosa Mota ou o médico-legista José Eduardo Pinto da Costa, entre muitos outros. O vice-primeiro-ministro Paulo Portas tinha passado pelo Rivoli na noite anterior.

O Paulo morreu. O Paulo não morreu. Um novo vereador, Manuel Aranha, entrará para o executivo da Câmara do Porto e receberá pelouros, mas não o da Cultura. A estreia do espectáculo Ícones do Desporto, que devia acontecer esta sexta-feira no Rivoli, foi adiada por um dia. É só um soluço, garantiram as palavras de Rui Moreira. A Cultura na cidade segue dentro de momentos.

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