União Europeia quer pagar para África não deixar sair imigrantes
A cimeira de Malta foi planeada na Primavera. Acontece tarde e quando há outros refugiados e imigrantes mais prioritários para Bruxelas.
A Comissão Europeia quer pagar aos países africanos para não deixarem sair imigrantes em direcção à Europa. Serão pagamentos em forma de investimento — dinheiro a aplicar na criação de condições que melhorem a vida dos que querem partir —, mas a proposta, que foi posta em cima da mesa esta quarta-feira em Valeta, numa cimeira Europa-África, não agrada a muitos países.
"Muitos dizem que esta é uma forma de a Europa tornar externos os seus problemas, de pedir a outros que os resolvam como num outsourcing", disse ao jornal britânico The Guardian uma fonte nas negociações na cimeira de Malta. "Os europeus não são exactamente visionários e não percebem que já não estão no centro do mundo", disse outra fonte do mesmo jornal.
Segundo estas declarações, a fórmula "pagar para resolver problemas" está ultrapassada e já não basta para resolver problemas. Mas não é só esta premissa que leva os analistas a considerarem, antes mesmo da abertura dos trabalhos, que a cimeira de Malta pode ter resultados muito limitados. O timming do encontro que junta durante dois dias a UE e países africanos não é o melhor.
A cimeira começou a ser planeada no início da Primavera, quando o fluxo de imigração entre África e a Europa, através do Mediterrâneo, começou a ser anormal, no sentido de estar em trânsito muito mais gente do que o habitual noutros anos. As primeiras tragédias, ao largo da ilha italiana de Lampedusa, levaram alguns dirigentes — o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, e o Papa Francisco, por exemplo — a darem o alerta.
Malta prontificou-se a receber a cimeira. Só que, entretanto, a situação agravou-se noutro ponto do Mediterrâneo, com a quantidade de pessoas a passar entre a Turquia e a Grécia a suplantar largamente as que atravessam de África para Itália. Ao longo do ano, 540 mil pessoas chegaram à Grécia, enquanto que a Itália chegaram 140 mil, segundo os dados oficiais da agência europeia de fronteiras, Frontex.
O tipo de pessoas também se alterou — se de África partem sobretudo imigrantes económicos, da Turquia são principalmente refugiados sírios.
Este dado é importante e vai estar em discussão em Malta, onde o programa desta quarta-feira foi sobretudo protocolar — chegada, fotografias —, estando os trabalhos concentrados no dia de quinta-feira. Os países africanos vão perguntar aos europeus porque razão estão dispostos a pagar três mil milhões de euros à Turquia, para conter os refugiados, e apenas 1,8 mil milhões a África. O que Bruxelas vai propor é a criação de um fundo fiduciário que terá que ser alimentado numa parte igual (outros 1,8 mil milhões) pelos países africanos; até ao momento apenas um pequeno grupo de países aceitou esta condição e disponibilizou pouco mais de 30 milhões de euros.
"Os parceiros africanos queixam-se de que estamos dispostos a dar a um só país [a Turquia] três mil milhões enquanto que damos apenas 1,8 mil milhões a um continente inteiro", disse uma fonte diplomática citada pelo El País.
A contrapartida que Bruxelas vai apresentar — segundo o El País e o Guardian, que adiantaram alguns pontos da proposta — é uma maior abertura dos canais legais de imigração. Mas também aqui há condições, estando os 28 Estados-membros dispostos a facilitar a entrada no espaço europeu de estudantes (está prevista, por exemplo, a duplicação do número de vagas para estudantes africanos fequentarem o programa Erasmus de intercâmbio entre universidades), investigadores e "empreendedores".
Não será fácil às duas partes chegarem a acordo. Além de todos estes pontos de desentendimento, não há em África um mecanismo de controlo dos muitos milhares de pessoas que circulam entre países africanos, procurando melhores condições de vida — destes, apenas um em cada dez parte ilegalmente para a Europa.