Ainda ninguém ganhou (ou perdeu) nada
Aparentemente, a direita parece ter já interiorizado a inevitabilidade do chumbo do seu programa de Governo, que será votado na Assembleia da República esta terça-feira. Pelo menos foi essa a ideia que o recém-empossado primeiro-ministro quis fazer crer ao apresentar-se na Assembleia da República em pose institucional e com um discurso muito menos radical do que muitos dos seus acólitos vaticinavam ou, no mínimo, desejavam. Isto acontece porque Passos Coelho acha que o facto de o seu Governo cair nesta terça-feira, não significa que a esquerda tenha ganho esta guerra e, muito menos, que esta história termine aqui. Ele nunca o disse, mas a ideia foi sinalizada por Teresa Leal Coelho, deputada, vice-presidente do PSD e uma figura muito próxima de Passos, ao invocar, durante o debate de segunda-feira, o relatório que, no mesmo dia, o Commerzbank enviara aos seus clientes sob o título “Portugal. A próxima Grécia?” Este gigante da banca alemã tem cerca de 11 milhões de clientes privados e um milhão de clientes corporativos em todo o mundo, que assim foram alertados para “a mudança radical da política económica” no nosso país.
Sim, Passos tem a certeza que muita água correrá debaixo das pontes antes de um Governo minoritário do PS apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda vir a ser empossado. E tem mesmo muitas dúvidas de que tal possa vir a acontecer. Ajuda o facto de a “troika de esquerda”, como se lhe referiu o líder da bancada parlamentar do CDS, não ser propriamente uma referência de coesão e unidade. Passos não se cansou de o assinalar, explorando as divisões e as contradições internas dos três partidos quer quando respondeu às interpelações de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, quer quando questionou o deputado socialista Paulo Trigo Pereira quanto às diversas posições sobre a reestruturação da dívida existentes na bancada do PS. Ajuda o facto de o Presidente da República não ter pressa, apostando agora em auscultar personalidades sobre o momento político, desprezando a convocação de um Conselho de Estado. Ajudam todas as pressões internas e externas, que o arrastar do tempo neste processo de formação de um novo Governo vão desencadear. Nas próximas semanas, é de esperar que surjam mais relatórios como o do Commerzbank, mais recados sobre o draft do Orçamento, mais afundanços da Bolsa e subida das taxas de juro da dívida. A estabilidade é um factor essencial da decisão política e a falta dela pode ser um elemento justificativo da opção final de Cavaco Silva.
Na segunda-feira, não se assistiu ao tão esperado duelo entre Passos Coelho e António Costa. O líder do PS não quis colocar-se no papel de primeira figura da oposição, ele que se sente o verdadeiro intérprete da vontade da maioria dos portugueses nas últimas eleições. Fez mal ao não querer discutir essa legitimidade, pois esse continua a ser um ponto fundamental da argumentação da direita. Esteve no centro de todos os discursos. Luís Montenegro, Nuno Magalhães, Telmo Correia, Carlos Abreu Amorim, Cecília Meireles… referiram o tema até à exaustão. E nem o excelente discurso de Carlos César conseguiu fazer esquecer que deveria ter sido Costa a dar a cara.
A esquerda, de resto, não valorizou demasiado o debate dando assim corpo à ideia de que “é uma perda de tempo”. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa cumpriram os mínimos e o PS deu tempo de antena aos “jovens turcos”. Passos entendeu logo a estratégia lançando farpas a Costa, mas recompôs-se rapidamente. Ficou muito claro que nada está definitivamente ganho ou perdido para nenhuma das partes.