A declaração, breve, foi feita segunda-feira a um grupo de apoiantes que se juntaram em frente à sede do partido em Rangun. "Penso que todos têm uma ideia de quais foram os resultados", disse Aung San Suu Kyi. A líder da oposição da Birmânia já deixava antever a vitória da sua Liga Nacional para a Democracia nas eleições de domingo.

Mas não ousou ir mais longe porque os resultados oficiais só deverão ser divulgados terça-feira. Alguns dos seus colegas de partido já tinham proclamado vitória e Suu Kyi decidiu pedir calma: "Ainda é um pouco cedo para congratular os nossos candidatos, que serão os vencedores", disse. "Quero recordar a todos que os candidatos que não venceram têm de aceitar os vencedores, mas também é importante não provocar os candidatos que não ganharam para que não se sintam mal", acrescentou.

O último cenário que deseja é o de um confronto antes do tempo e no lugar errado. Sobretudo depois do Partido da União Social para o Desenvolvimento, no poder e apoiado pelos militares que governaram o país desde os anos 1960, terem reconhecido a derrota.

"Temos que perceber a razão pela qual perdemos. Porém, aceitamos os resultados sem qualquer reserva", disse Htay Oo, presidente interino da União e braço direito do Presidente Thein Sein.

A vitória da Liga era esperada. A rapidez com que os militares a aceitaram era desejada. E apesar de ainda se esperarem os resultados definitivos, as eleições de domingo tornaram-se históricas mal Oo proferiu as palavras-chave "sem qualquer reserva". Está aberto — tudo indica — o caminho para uma mudança estrutural na Birmânia, uma revolução feita a partir das urnas e que põe fim a meio século de uma ditadura militar, atenuada em 2011 com um governo de transição dirigido por Thein Sein.

Antes mesmo da admissão de derrota de Oo, já havia sinais de que os generais podem estar prontos para entregar o poder — o jornal em língua inglesa Global New Light of Myanmar, apoiado pelo regime, tinha uma primeira página impossível há tão pouco tempo. "É o nascimento de uma nova era", dizia a manchete.

Esta segunda-feira, Suu Kyi quis evitar declarações de triunfo, ainda que o tenha proclamado subtilmente. E quis evitar a precipitação dos apoiantes, que na noite de domingo festejaram nas ruas de Rangun esta vitória anunciada.

"Esperamos este resultado há muitos anos", disse domingo à AFP Thuzar, dono de uma loja de cartões para telefones de 42 anos. Já esta segunda-feira, e apesar dos apelos da líder à calma, algumas centenas de apoiantes juntaram-se junto à sede da Liga. Gritaram a frase "Acorda, Birmânia, acorda" e aclamaram Suu Kyi como uma libertadora.

Segundo os primeiros resultados oficiais, anunciados ao final da tarde desta segunda-feira (meio da manhã em Portugal), a Liga conseguira eleger 49 dos 54 lugares apurados para a câmara baixa do Parlamento, que tem um total de 330 membros. Um quarto dos deputados das duas câmaras está reservado aos militares por direito estabelecido na Constituição.

Por causa desta regra, a Liga necessita de conseguir 67% dos votos para conseguir a maioria no Parlamento. Os membros do partido que proclamaram vitória disseram ter conseguido 70% dos votos. Suu Kyi deseja mais, para ir mais segura para um eventual confronto no Parlamento.

A líder histórica da oposição e Prémio Nobel da Paz — a Junta Militar manteve-a em prisão domiciliária durante 15 anos — disse antes das eleições que pretende governar o país. "Se vencer, estarei acima do Presidente", disse ela que não pode chegar à chefia do Estado por ter filhos estrangeiros (britânicos), como está estipulado na Constituição redigida pelos militares.

Precisa de todos os votos para poder ser o seu partido a escolher o próximo Presidente, que será eleito pelos deputados entre Fevereiro e Março de 2016. Impedida de chegar ao lugar cimeiro da legislatura, Suu Kyi pretende utilizar as ambiguidades que os militares deixaram na Constituição a seu favor. Em nenhuma alínea esta estipula que a Birmânia tem um sistema presidencialista e que é o chefe de Estado quem lidera o Governo; Thein Sein fê-lo por decisão da Junta, que lhe passou o poder e lhe deu a missão de preparar a Birmânia para uma transição para a democracia. Suu Kyi quer relegar o Presidente a um papel cerimonial, assumindo ela a chefia do governo, diz uma análise da BBC. Por isso, precisa de um dos seus no lugar.

Depois, quer mudar a Constituição, retirando aos militares os lugares cativos no Parlamento e anular a alínea que determina que são os chefes das Forças Armadas quem nomeia os ministros da Defesa e da Administração Interna. 

Só quando os resultados definitivos forem conhecidos e Aung San Suu Kyi souber com que força conta, poderá testar as palavras de Oo e saber se os militares aceitam de facto a derrota sem qualquer reserva, ou se terão a tentação de prolongar a transição e de manter poderes.