“Desinvestimento total” do Governo na segurança escolar “é perigoso”
Antigo coordenador do Observatório da Segurança Escolar, que deixou de funcionar em 2011, alerta para riscos do "desinteresse político" por esta área. Ministério ainda não publicou relatório de 2013/14 e gabinete está sem director desde Julho. A violência continua nas escolas.
O caso do aluno de 14 anos que esta terça-feira ameaçou a professora e o director da escola com uma arma carregada, no Colégio da Imaculada Conceição em Coimbra, reúne pelo menos três das características mais comuns da violência escolar, descritas nas conclusões dos relatórios da Segurança Escolar, produzidos desde 2008: o episódio ocorreu na sala e durante o período em que decorria uma aula, como acontece na maioria dos casos; além disso, o aluno está no grupo de idades – entre os 14 e os 16 anos – dos suspeitos ou autores mais frequentes de indisciplina ou violência em estabelecimentos escolares.
O mais recente relatório elaborado por três direcções-gerais – Educação, Estabelecimentos Escolares e Estatísticas da Educação e Ciência – é relativo a 2012/13, e foi publicado em Janeiro de 2014. Desde então, nenhum outro foi divulgado, apesar de o mesmo documento, de 2013/2014, ser esperado desde o início de 2015. Em Julho deste ano, o director do Gabinete de Segurança Escolar deixou o cargo. Até agora não foi substituído.
O gabinete do ministro da Educação Nuno Crato, que hoje cessa funções, não esclarece as razões da demora em publicar o documento e em substituir o responsável, e se ambas as situações reflectem uma mudança de prioridades. Essas perguntas, enviadas no início de Outubro – depois de um aluno de 12 anos ter sofrido, na Escola das Olaias, um traumatismo, com necessidade de uma cirurgia urgente ao cérebro no Hospital Santa Maria, após ser agredido por um colega – ficaram sem resposta. E assim continuaram depois do caso do aluno armado em Coimbra esta semana.
Vários sinais do "desinteresse"
“É provável que a não publicação do relatório [de Segurança Escolar de 2013/14] esteja associada à falta de informação ou à inexistência de pessoas qualificadas para analisarem os casos”, considera João Sebastião, investigador do CIES - IUL (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia – Instituto Universitário de Lisboa), que foi coordenador do Observatório da Segurança Escolar.
A falta de informação, por sua vez, explicar-se-á por ter deixado de ser obrigatório que as escolas comuniquem as ocorrências ao Ministério da Educação e da Ciência (MEC). E também isso, a seu ver, “revela um total desinteresse político pelo assunto, e um desinvestimento total, além de mostrar um desprezo total pela informação objectiva”.
Para o sociólogo, não houve apenas, durante este Governo,uma mudança de prioridades, mas “um desinvestimento total” nesta área, de que a ausência desse relatório pode ser mais um sinal. Um outro, que não entende, foi a opção de retirar da área curricular a disciplina de Formação para a Cidadania, que chegou a ter um módulo onde podiam ser abordadas questões sobre segurança escolar.
Mais armas e outros perigos
O Observatório de Segurança Escolar alertou o Governo, no seu relatório do ano lectivo de 2010/11, para os perigos da existência de armas dentro das escolas. Nesse ano, o último em que o observatório recebeu financiamento associado ao MEC e que, por causa disso, foi forçado a suspender a actividade, a equipa de investigadores que reunia e tratava todos os dados – das escolas e das polícias – chegou à conclusão de que a situação se agravara muito entre 2010 e 2011 com "o aumento claro" de situações de uso de armas (e não apenas da sua posse).
Além disso, o número de escolas que tinham participado casos de violência ou insegurança passara de um pouco mais de 790 para 940. As situações de uso de armas tinham mais do que duplicado – entre 2008 e 2011 – passando de 24 a 69. E os casos de uso e posse de armas tinham aumentado, no mesmo período, de 93 para 122. Em pelo menos 18 dessas situações, os alunos atingidos tinham necessitado de tratamento médico, internamento hospitalar ou acompanhamento psicológico.
Esse relatório, que não voltou a ser produzido, também chamava a atenção para a probabilidade de a passagem da idade da escolaridade obrigatória para os 18 anos “ trazer para as escolas alunos que já tinham abandonado os estudos e alunos mais velhos, facto que, em situação de conflito pode aumentar drasticamente a sua gravidade ” – sublinha João Sebastião. E avisa: “Desinvestir completamente numa altura de mudança é perigoso.”
Além disso, lembra João Sebastião, as equipas de apoio que realizavam tarefas diversas, não apenas ligadas à violência escolar, mas também ao insucesso e abandono escolar, faziam parte das direcções-regionais que, entretanto, também foram extintas.
Além da necessárioa vigilância e registo dos casos nas escolas também seria importante apostas na prevenção. Situações como a que ocorreu esta semana no Colégio da Imaculada Conceição em Coimbra, podem ser prevenidas, acredita o académico. Como? “Através de campanhas junto de todos os intervenientes na escola”, explica, notando que estas devem incluir os pais e os professores.
“Portugal deve ser dos raros países da Europa que não têm nenhuma espécie de medida de prevenção de carácter educativo”, embora algumas escolas o façam por iniciativa própria, nota.