Quanta riqueza, Joanna

Joanna Newsom a viajar com segurança admirável e graciosidade irresistível por esse mundo que criou para si.

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É um prazer que se renova a cada audição Annabel Mehran

Há uma vida em Joanna Newsom para além da música que vem criando desde que, em 2004, The Milk-Eyed Mender nos apresentou a harpista de voz impossivelmente infantil. Há-o, ainda mais, desde que, casada com o actor Andy Samberg, saltou para o cinema (vimo-la em Vício Intrínseco, de Paul Thomas Anderson) e para as passadeiras vermelhas da indústria cinematográfica. Tal vida, porém, será sempre pouco determinante para aquilo que é a sua música. Essa habita um universo que se vem expandindo e metamorfoseando de uma forma admirável e cada vez mais impressionante.

Em Ys, o segundo álbum, reuniu-se ao mítico Van Dyke Parks (cujo trabalho de orquestração deixou marcas profundas na música de Newsom), para gravar cinco peças, centradas na harpa e na grandiloquência expressiva e emotiva dos arranjos que a rodeavam. Depois dele, no torrencial Have One On Me, álbum triplo, vimo-la mergulhar também, e mais profundamente, nas raízes folk americanas (na sua versão telúrica original e nas transformações operadas por nomes como Joni Mitchell ou Laura Nyro).

Cinco anos depois, Divers, que será editado na próxima segunda-feira, 2 de Novembro, surge como o momento em que as escolhas expressivas anteriores se concentram num único ponto. Cada canção é uma narrativa que avança ao sabor dos versos de Newsom, mudando de direcção, acrescentando elementos e evocando diferentes géneros no mesmo percurso, criando uma riqueza que impressiona pela precisão - nada parece deixado ao acaso: cada nota, cada instrumento utilizado, cumpre uma função necessária no quadro geral da canção.

Produzido por Noah Gorgeson, velho companheiro de Newsom e de Devendra Banhart nos tempos da free-folk, gravado por Steve Albini e com arranjos a cargo de Nico Muhly ou David Longstreth, dos Dirty Projectors, Divers é guiado pelo piano, harpa e voz de Joanna Newsom. O que acontece depois é um jogo constante entre o moderno e o ancestral onde mellotrons, órgão Clavinet e sintetizadores ambientais convivem com secção de cordas e violino saído dos Appalaches; onde harpsichords partilham espaço, sem guerrear, com guitarras eléctricas em slide country (Goose ends); onde uma canção confessional encenada em ambiente bucólico se transforma em viagem orquestral em sala sumptuosa (Waltz of the 101st Lightborne).

O primeiro single tem por título Sapokinakan, baptismo nativo da terra que alberga hoje Greenwich Village. Nas onze canções de Divers, encontramos Joanna Newsom a viajar com segurança admirável e graciosidade irresistível por esse mundo que criou para si, alimentada pelas tradições musicais que entranhou e tão bem compreende, pela sua imaginação fértil e sua idiossincrasia. Não existe outro lugar assim no mundo, neste momento. Reencontrá-lo agora, “in a war between us and our ghosts”, como canta na supracitada Waltz of the 101st Lightborne, impressiona. É um prazer que se renova a cada audição.

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