Ficar em casa
Não haver guerra: haver paz. Não haver exílio: haver pátria. Não haver sede: haver água. Não haver fome: haver comida. Não haver desemprego: haver ordenado. Não haver doença: haver saúde. Não havendo saúde: haver médicos e medicamentos.
Não haver violência: haver segurança. Não haver medo: haver calma. Não haver onde ficar: haver casa.
É a casa a coisa que mais sabe bem ter. Seja ela emprestada ou alugada. Basta saber que, enquanto pudermos pagar as prestações do empréstimo ou a renda, temos uma casa onde viver.
Não haver arbitrariedade: haver lei. Não haver repressão: haver liberdade. Não haver a selvajaria da sobrevivência dos mais fortes: haver solidariedade.
Não haver nem igualitarismo desenfreado nem comunismo totalitário: haver um sistema de socorro tanto para os que ganham como para os que perdem para ele.
Ficar em casa é um prazer só nos poucos países que têm a sorte de não ter azar. Portugal é um desses países. Por muito bem e mal que digam dele, Portugal é um país, mesmo para os mais azarados, que tem mais sorte do que a grande maioria dos países deste mundo.
Portamo-nos, vergonhosamente, como se fôssemos um dos países mais pobres e mais violentados do que, na verdade, somos. A verdade é outra: nós, os ricos e acomodados, temos a mania de diluir a nossa sorte completamente imerecida no azar igualmente desmerecido de todos os outros.
Quem é que tem o luxo de ficar em casa e ficar bem? Eis a questão.
Não haver dúvida: haver humildade.