Direitos de autor e internautas: o caminho para a autorregulação
A realidade é que o criador de uma música, filme, série, videojogo merece ser reconhecido pela sua obra.
Gostaria de começar por dizer que, nos tempos hodiernos, nunca o indivíduo singular teve ao seu alcance uma tão grande possibilidade de afirmação, de participação, de expressão e de difusão, numa palavra, de protagonismo, como o que hoje a Rede lhe permite. A noção de público, espectador e consumidor assume uma componente nova face à liquidificação dos conceitos oriundos dos media clássicos. Os cidadãos assumem um carácter mais ativo, ao passarem a ser, simultaneamente, recetores e emissores de informação, claramente marcados por um espaço de liberdade que, por vezes, pode transformá-los em “cidadãos à solta”, isto é, sem regras ou limites ético-jurídicos orientadores e reguladores da sua esfera de ação e em interceção com as esferas concêntricas dos diversos níveis dos direitos de personalidade dos cidadãos públicos ou anónimos.
Assim, urge a necessidade de que a dialética comportamental do internauta atual ancore num cidadão cognitivo e eticamente mais forte, mais livre, mas também mais responsável. Tal tem aplicação numa miríade de situações que vão desde a partilha hedionda de pornografia perpetrada contra menores, dos crimes convencionais aplicados à realidade digital, do ciberbullying por vezes feito em completo anonimato, passando para outros domínios de infração cuja censurabilidade imputada pela opinião pública não será tão grave, mas que, todavia, devem ser também eles sujeitos a uma defesa e proteção eficaz. Falamos pois da proteção do direito de autor e direitos conexos, cuja criatividade e imaterialidade da obra tem dado azo a infindáveis discussões sobre se na realidade está a incorrer-se num delito ou não. A realidade é que o criador de uma música, filme, série, videojogo merece ser reconhecido pela sua obra. O direito legitima a idoneidade e a paternidade sobre aquela, conferindo-lhe o direito a uma remuneração de quem dela usufrui, a não ser que um uso livre seja explicitamente referido. Todavia, é sabido que as evoluções culturais detêm um período de morosidade mais prolongado do que as evoluções tecnológicas, e atualmente o modus vivendi cultural reside numa práxis muito tolerante à infração audiovisual.
Para o desiderato anterior ser reificado, existem várias campanhas de sensibilização que diversas associações nacionais têm disponibilizado nos meios de radiodifusão e cinema, bem assim como workshops pedagógicos em algumas instituições de ensino, para alertar os jovens quanto à necessidade cívica de proteger as obras. É sabido que atualmente são prolíferas as plataformas de distribuição legítimas que permitem um visionamento de uma multiplicidade de filmes e séries a um preço bastante convidativo, como é o caso do Spotify, Netflix, N Play, entre outros.
De qualquer dos modos, e apesar de a tutela civil e penal poder intervir nas situações que eventualmente possam fazer emergir a responsabilidade civil e penal, a verdade é que no grande espaço de liberdade da Rede tal tem vindo a revelar-se ineficaz. Por outro lado, é importante perceber que a responsabilidade dos intermediários é primordial, pois eles são simultaneamente prestadores de serviços e parceiros concorrentes dos criadores intelectuais. Neste sentido, aqueles que oferecem sistemas de interação social devem tomar as devidas precauções para não serem, sem razão, conduzidos a litígios judiciais ou até condenados injustificadamente. Deve orientar-se os prestadores de serviços para a implementação de métodos que facilitem a prova judicial mostrando que a sua atuação é responsável e respeitadora da ética social.
Enquanto essa transição do ilegal para o legal não se efetua (não obstante parecer claro que nunca será completa, uma vez que a escolha ilegal sempre existirá e terá a sua quota-parte de seguidores), surge em Portugal, em boa hora, uma situação inédita que se consubstancia no memorando de entendimento travado entre as principais associações das indústrias culturais com a associação portuguesa de Internet Service Providers (Apritel). Malogrados os mediáticos projetos de antipirataria anteriores em solo norte-americano, o SOPA e o PIPA, vem agora o memorando do entendimento português demonstrar-se como um momento charneira no panorama internacional em que a partir de uma solução de autorregulação se consegue um eficaz bloqueio dos utilizadores dos sites ilícitos. É certo que, apesar do sucesso a priori que se poderá augurar desta medida, é mister de sensatez reconhecer que este é apenas o primeiro passo de uma contenda que muita tinta fará ainda correr, mas que demonstra igualmente que os decisores públicos estão cada vez mais atentos às realidades prementes da proteção e promoção da cultura presente nos bens imateriais que são as obras audiovisuais.
Advogado, director-geral da Gedipe (Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores)