A arte urbana que o Porto estranhou, mas que agora entranhou

A PortoLazer e a Câmara do Porto dão a conhecer a arte urbana que invadiu a cidade através de passeios organizados em parceria.

Foto
Na Trindade, ao lado da estação de metro vê-se o pai de Mr. Dheo a pintar a Torre dos Clérigos com uma lata de spray Diogo Baptista

Levantou a cabeça hoje enquanto ia para o trabalho? Tirou os olhos do telemóvel? Se mora no centro do Porto, e se nunca olhou bem para as fachadas dos prédios, talvez deva repensar os seus gestos. A street art pontua já em vários locais do município e durante Outubro ganha, inclusive, uma tour que poderá ser feita de bicicleta, a pé, ou mesmo de tuk tuk.

Num passeio de tuk tuk poderão ser vistas 11 conjuntos de peças. De prédios devolutos a caixas de electricidade, as intervenções espalham-se pelas várias ruas, com temáticas diversas mas sempre com o mesmo intuito – levar a arte para as ruas.

O passeio começa no mural da Rua da Madeira, feito com 3000 azulejos, onde se faz a pergunta – “Quem és, Porto?” O projecto do Mais Menos juntou cada um dos azulejos feitos em workshop na Escola Superior de Educação, em que “cada um dos participantes trouxe a visão daquilo que é o Porto”, afirma Third, o anfitrião do primeiro circuito. O artista, também ele com um mural que faz parte do passeio turístico, prossegue: “Criou-se um painel com um crescente de luz, que representa também a cidade, cinzenta, mas a ganhar vida”. Segue-se um projecto com assinatura internacional – em “Clouds”, os italianos Sten & Lex reproduzem as nuvens da cidade.

A visita segue até à Trindade, onde ao lado da estação de metro se vê o pai de Mr. Dheo a pintar a Torre dos Clérigos com uma lata de spray. É o fotorrealismo ao serviço do graffiti, numa representação que milhares vêem todos os dias ao saírem do metro. Sara Reis, uma das nossas companheiras de viagem, destaca a importância da iniciativa: “Esta é uma arte que aprecio, mas na correria do dia-a-dia acabamos por não nos apercebermos destas coisas”. “Com estes passeios acabamos por ser turistas na própria cidade”, sintetiza.

Já na entrada da Ponte Luiz I, Frederico Draw recebe-nos para nos explicar a sua intervenção: “Decidi representar alguém que convidasse a entrar no Porto”. Esta obra tem, aliás, um significado pessoal – o sujeito retratado é o avô do artista, por representar para ele a vinda à cidade. “Para os outros é um sujeito abstracto, mas para mim tem significado porque vinha aqui para ir a casa dele”, explica.

Para além das obras de apenas um artista, esta mostra dá também espaço a murais pintados em conjunto – o mural colectivo da Restauração é um bom exemplo disto. Numa iniciativa ímpar na cidade, a PortoLazer e a Câmara criaram “um mural rotativo e colectivo”, como explica Cláudia Melo, da empresa municipal, que se juntou à visita. A cada seis meses, abrem novo concurso para que os artistas possam dar vida às suas ideias. Desta segunda fase fazem parte temas tão variados como “um arroto gigante”, “um monstro gigante que absorve os barcos” ou ainda “um selo antigo com camélias e dois pombinhos, símbolos da cidade”, explica Third, autor desta última.

Já perto do final da visita regressamos a S. Bento para ver a “Metamorfose”, uma “malha de metal verde”, como descrevem os artistas. Cláudia Melo esclarece o objectivo da obra: “Tentou fazer-se uma leitura daquilo que foi a pedreira pré-existente, daí as formas, côncavas e convexas”.

A visita termina entre a Rua das Flores e o Largo de S. Domingos, com as intervenções nas caixas da EDP. Aqui os espaços foram também abertos a concurso, com vários intervenientes a retratar expressões populares da invicta, ou representações gráficas das ruas, dos azulejos, das flores. Sílvia Peralta, que estava ainda a criar a sua obra no momento do primeiro circuito, explicou as suas intervenções: “numa das caixas representei o carapau de corrida, de forma literal. Na outra, peguei na expressão ‘falar para o boneco’ e fiz uma espécie de sátira, representei uma santa”.

No final do passeio, todos se mostraram agradados com a iniciativa: “Uma cidade turística deve ter este tipo de atractivos, acho interessante a iniciativa, ir à rua, perseguir as imagens”, afirma Paula Santos, de 46 anos. Opinião aliás que é partilhada pela filha, Bárbara, de dez: “Gosto muito mais de paredes pintadas que de paredes brancas”, afirma. E para provar que esta é uma viagem transversal, a avó, Isabel Ferreira, reitera: “Andamos aqui todos os dias, mas há pormenores que nos escapam. Esta iniciativa serve para ficarmos a conhecer um pouco mais da nossa própria cidade”.

O Programa de Arte Urbana, que começou em 2014 numa parceria entre a Câmara do Porto e a PortoLazer, dá assim um novo rumo à street art portuense. As intervenções artísticas, que no anterior mandato eram sucessivamente banhadas de branco, vêem agora o devido reconhecimento, com as entidades competentes a apoiar este tipo de arte, através de parcerias onde se definem espaços e se autorizam as obras. O Porto enche-se assim de cor, e não é preciso ir até a uma galeria para apreciar verdadeiras obras de arte.

Com mais de 20 reabilitações já executadas no espaço público, a PortoLazer decidiu criar estes circuitos, durante o fim-de-semana, para que os turistas, mas também os habitantes da cidade, ganhem uma outra noção de como a street art está a crescer e para dar outro alento aos artistas que lhe deram corpo.

Os passeios pedestres, de bicicleta, e de tuk tuk vão realizar-se nos fins-de-semana do mês de Outubro, numa iniciativa gratuita, mas de inscrição obrigatória. Os passeios de tuk tuk das próximas duas semanas serão acompanhados por Frederico Draw (17 e 24 de Outubro) e por Godmess, no dia 31 do mês. 

Sugerir correcção
Comentar