Há mais doentes com cancro a optarem por preservar a fertilidade

Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução prepara novas recomendações. Em Coimbra, o número de mulheres a fazer esta opção em 2015 é quase o dobro da média anual do que acontecia desde 2008.

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As mulheres com cancro da mama são uma das prioridades DR

O número de mulheres com cancro que opta por guardar os seus ovócitos ou tecido ovárico para a eventualidade de querer ser mãe no futuro ainda é pequeno para a realidade nacional, mas a tendência está a mudar, assegura a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR). Só no centro de Teresa Almeida Santos, o Serviço de Medicina da Reprodução do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, já houve 31 mulheres a tomar esta opção neste ano. Desde 2008 tinham sido só 115. A especialista acredita que o valor será ainda melhor em 2016, quando estiverem no terreno as orientações para a preservação da fertilidade em doentes com cancro, que a SPMR está a preparar em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO).

A preservação da fertilidade nos casos oncológicos é um dos temas centrais das Jornadas Internacionais de Estudos da Reprodução, que começam nesta sexta-feira e que terminam sábado, em Guimarães. No encontro será apresentada uma versão preliminar das guidelines nacionais que a SPMR e a SPO estão a preparar e que se prevê que estejam concluídas no início de 2016. Além de traçar um perfil nacional dos centros preparados para preservar os óvulos e espermatozóides dos doentes com cancro, a ideia é dar orientações mais claras sobre as situações em que os tratamentos oncológicos comprometem a fertilidade e ajudar os profissionais de saúde a tomar decisões. Estima-se que quase 10% dos cancros sejam diagnosticados antes dos 40 anos, com 300 a 400 mulheres a poderem beneficiar desta opção todos os anos.

O documento, explica Teresa Almeida Santos ao PÚBLICO, conta com orientações destinadas tanto às mulheres como aos homens, assim como aos casos pediátricos. Há também vários aspectos éticos e legais que são abordados. “O grupo que tratamos mais especificamente é o do cancro da mama. É o cancro mais frequente nas mulheres e atinge uma percentagem significativa de mulheres em idade reprodutiva, pelo facto de as pessoas protelarem cada vez mais a primeira gravidez”, frisa a também professora da Faculdade de Medicina de Coimbra.

“Temos neste momento um risco acrescido de uma mulher jovem ter um diagnóstico de cancro da mama com necessidade de quimioterapia ou de hormonoterapia que se prolonga por cinco anos, antes de a mulher ter completado o seu projecto reprodutivo ou até de ter engravidado pela primeira vez”, acrescenta a médica. Para Teresa Almeida Santos, “esta é a grande população” a quem é preciso dar “resposta imediata”, até porque, insiste, no caso dos homens a preservação da fertilidade é mais simples e feita de forma mais alargada.

“As pessoas têm de ser alertadas para a possibilidade de preservação e tomar uma decisão, ou mais tarde arrependem-se por não terem sido informadas ou por não terem tido oportunidade de decidir. No contexto de cancro não se pode decidir muita coisa, mas isto os jovens podem decidir”, sublinha. A especialista congratula-se, por isso, com a subida registada nos últimos dois anos no Serviço de Medicina da Reprodução do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra: “Até meio de 2015 tivemos tantos doentes [a optar por preservar] como em 2014. Há um crescimento exponencial que não é devido ao crescimento exponencial dos tumores mas a um maior conhecimento e referenciação. Estamos no bom caminho.”

Das 182 mulheres que foram atendidas naquele serviço desde 2008, houve 115 que decidiram preservar a sua fertilidade. No caso dos homens o número supera os 300. Já em 2014 foram atendidas 55 doentes, das quais 30 preservaram a fertilidade. Em 2015 o valor já foi ultrapassado, tanto em número total de doentes como nos que avançaram, com 27 a criopreservarem ovócitos e quatro o tecido ovárico – o dobro da média dos anos anteriores. Questionada sobre se o sistema tem capacidade de resposta para preservar mais material, a presidente da SPMR assegura que sim e adianta que o que tem falhado é uma referenciação mais precoce dos casos e mais informação aos doentes. “Se a doente não for referenciada cedo pode não haver tempo para o tratamento de estimulação ovárica, que no mínimo demora duas semanas e que é exigente e implica deslocações ao hospital”, diz.

Outro dos problemas está no custo dos medicamentos que, em parte, tem de ser suportado pelas mulheres. Por agora, informa a médica, conseguiram um acordo com uma farmacêutica para os fármacos serem cedidos gratuitamente a mulheres com cancro. Do lado da informação, Teresa Almeida Santos assegura que também têm dado passos, nomeadamente criando panfletos para o grande público e uma linha telefónica (800 919 040) especificamente destinada a este tema.

A presidente da SPMR explica, ainda, que o documento ajuda a estimar a probabilidade de infertilidade gerada com cada tratamento oncológico. No caso dos homens considera que é fácil e barato preservar esperma, pelo que essa deve ser sempre a opção a seguir. Nas mulheres o procedimento já terá de ser avaliado com mais cuidado, uma vez que a criopreservação implica tratamentos de estimulação com recurso a hormonas e que exigem algum tempo. Além dos tumores da mama, Teresa Almeida Santos adianta que as recomendações poderão ajudam mais pessoas com leucemias e linfomas a beneficiar desta opção – já que, a par com os tumores ósseos e o cancro do testículo – estes são as neoplasias mais comuns nas camadas mais jovens da população.

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