Morreu o pintor António Costa Pinheiro

Co-fundador do Grupo KWY, pioneiro na integração internacional dos artistas portugueses, António Costa Pinheiro foi um tímido importante na vanguarda da arte da segunda metade do século XX.

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António Costa Pinheiro no atelier no Algarve Pedro Elias/Arquivo
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Costa Pinheiro no atelier, em Quelfes, Olhão
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O atelier, em Quelfes, Olhão Pedro Elias/Arquivo
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Do Sofrimento, 1960
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Homenagem a Malevitch, 1967
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Sem Título, 1973, gravura
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Fernando Pessoa - Heterónimo, 1978
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Espaço - Poético - Natureza, 1983

Homem reservado, pouco afeito aos holofotes da consagração, Costa Pinheiro desenvolveu parte relevante do seu percurso na Alemanha, onde granjeou o reconhecimento de artistas, comissários e galeristas, e foi, na opinião do historiador e crítico de arte, um pioneiro discreto de várias tendências da arte contemporânea.

Natural de Moura (1932), Costa Pinheiro frequentou o Liceu Camões e a Escola de Artes Decorativas António Arroio, antes de realizar a sua primeira exposição individual em 1956, na Galeria Pórtico, em Lisboa. Um ano depois obteve uma bolsa do Ministério da Cultura da Baviera, para estudar na Academia de Belas-Artes de Munique. Acompanharam-no à cidade alemã, onde estudou gravura com o pintor Geitlinger, Lourdes Castro e Gonçalo Duarte.

De regresso a Lisboa em 1958, recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian e viaja para Paris. É na capital francesa que, em 1960, convive com Vieira da Silva e Arpad Szenes e funda o grupo e a revista KWY na companhia de Lourdes Castro, Gonçalo Duarte, José Escada, René Bertholo, João Vieira, do búlgaro Christo Javajeffe e do alemão Jan Voss. No mesmo ano, a primeira exposição portuguesa do KWY é inaugurada na Sociedade Nacional de Belas-Artes com o bom acolhimento da imprensa lisboeta, mas Costa Pinheiro não ficará muito tempo em Lisboa.

Sente fisicamente a asfixia do regime de Salazar (é preso pela PIDE em Caixas) e em 1963 foge para a Alemanha. Terminada aventura da KYW, vai desenvolvendo um percurso entre Munique e Paris, distante da cena artística portuguesa. Em 1964 começa a pintar Reis, série que revelará um dos traços da sua obra. “Há uma relação muito forte com a tradição europeia da pintura, mas também com as mitologias portuguesas”, considera Bernardo Pinto de Almeida. “Essa série reabilita um certo tecido cultural, mitológico da história portuguesa. Confronta-se com ele, revisita-o com a pintura, como também acontecerá nos trabalhos dedicados a Fernando Pessoa”.

Na linha da frente

Reis é exposta em 1966 na Galeria Leonhart em Munique e, nos anos seguintes, Costa Pinheiro virá a conhecer um sucesso assinalável, sendo distinguido com o Prémio Burda da Pintura na Haus der Kunst e o prémio de Pintura (Förderpreis) da Cidade de Munique. Esse importante acolhimento, que andará a compasso do alheamento da cena portuguesa, pode ter a sua explicação num pioneirismo. "Costa Pinheiro é um dos primeiros artistas a incorporar uma releitura da tradição expressionista alemã, da pintura de Paul Klee, Kandinsky, Malevich. É algo que Gerhard Richter e Sigmar Polke farão a seguir, mas que já vem sinalizado no seu trabalho.”

No final da década, o artista português decide fintar o sucesso conquistado na Alemanha. Recusa um convite de Joseph Beuys para leccionar na Academia de Belas-Artes de Düsseldorf (como recusará o convite do curador suíço Harald Szeemann para integrar a Documenta 5, em Kassel), afasta-se da pintura, dos holofotes das fama e das frivolidades do mundo da arte. “É difícil dizer porquê. Creio que ele desconfiava muito do sucesso, do mediatismo. Quando percebia que estava a ser muito solicitado, desaparecia. Era um homem tímido”.

 Até 1976, a atenção de Costa Pinheiro concentra-se em questões como a desmaterialização do objecto artístico (tratada no texto Imaginação e Ironia) e no projecto Citymobile, do qual foi mostrada uma maqueta numa antológica realizada no Centro Cultural de Cascais em 2006. “Permanece pouco visto, o que é pena, pois antecipa a ideia de arte pública”, comenta o historiador. “Foi um projecto no qual colocou a arte em diálogo com a arquitectura utopista, com o urbanismo e as ideias desenvolvidas em torno da cidade por Henri Lefebvre [filósofo francês]. Ele esteve na linha da frente dessas reflexões”.

O ano de 1976 marca o regresso à pintura e o início da série em que representa a figura de Fernando Pessoa. A sua obra recupera visibilidade em Portugal sem se confundir com outros estilos e olhares. “O Pessoa de Costa Pinheiro não é o de Almada Negreiros e não é uma imagem ilustrativa. Ela faz uma compreensão filosófica dos heterónimos do escritor antes das leituras de José Gil e de Eduardo Lourenço. Mas fê-la com a pintura, com as telas”.

Ao longo dos anos 80 realiza e expõe, entre Portugal e Alemanha, várias séries que fazem uma síntese da sua pintura e em 1991 constrói um atelier no Algarve. Expõe em 1980 no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, e em 1990 na Casa de Serralves, no Porto, mas ficou a faltar-lhe a grande retrospectiva que muitos dos seus pares nacionais conheceram. “Foi um dos maiores artistas da segunda metade do século XX para os principais críticos da sua geração e um pioneiro na internacionalização dos artistas portugueses. Não entendo a ausência de uma grande exposição das suas obras numa grande instituição em Portugal. Permanece uma cegueira, um desconhecimento entre certos decisores”.

Entretanto, e enquanto não se faz a luz merecida sobre a obra do co-fundador do KWY, é possível apreciar 70 dos seus trabalhos numa exposição comissariada por Bernardo Pinto de Almeida, até 31 de Dezembro, em Lisboa, na Galeria São Roque Too.

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